quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Meu mundo caiu

Tarde dessas eu estava numa seção de discos clássicos de uma grande loja quando me dei conta de que me encontrava inteiramente sozinho. O DVD de um recital magnífico do violonista André Geraissati passava na tela de plasma, sem que houvesse vivalma na poltrona diante do aparelho. Eu gostaria de ver o produto, saber o preço etc. Mas cadê o vendedor, o atendente ou que nome leve o funcionário que deveria estar ali, se não ouvindo o freguês, pelo menos a tomar conta do local?
O setor de clássicos sempre foi o mais seleto e isolado. Mas nunca assim. Nem o mestre Geraissati se acomodava antes na prateleira erudita – sua música vai além de qualquer rótulo. Saí ao encalço de um ser pensante, mas, à medida que percorria as gôndolas, notei que não havia ninguém, salvo gatos pingados que ouviam o novo CD da banda Coldplay (que saiu antes na internet). Fui reclamar à moça do caixa. Depois de um muxoxo, ela chamou o gerente pelo telefone. O sujeito surgiu esbaforido. Quando lhe falei do DVD, arregalou os olhos e saiu atrás do produto como se brincasse de cabra-cega. Demorou um tempão, mas conseguiu descobrir o disco. Acabei comprando o Geraissati e o Coldplay. Mas não saí satisfeito.
Concluí o óbvio: lojas de discos não existem mais. Os clássicos estão sendo liquidados como tomate na xepa da feira. Numa cidade enorme como esta, um amigo e eu somos os únicos a ainda comprar sonhados álbuns, antes tão caros. Eu sei porque ele comprou outro dia uma caixa de sonatas de Beethoven pelo Arthur Schnabel que eu queria ter comprado. Aí ele me deu a dica de que havia uma igual numa das filiais da loja. Temos trocado idéias como se fôssemos os últimos audiófilos sobre a Terra da Garoa.
Não existem mais amantes da música, nem alma nesse negócio. No mundo todo, as grandes cadeias de discos estão fechando. A Tower Records e a Virgin saíram de cena nos Estados Unidos. Em cidades como Miami, restou uma única cadeia, a Fye, que mesmo assim empurra os discos cada vez mais para o fundo, em nome do destaque para games e filmes em blu-ray. Em São Paulo, sobraram seções de discos nas livrarias e em lojas de alta tecnologia. Há os sebos, mas estes não se comparam aos do passado. Recendem a mesquinhez, com seus donos sem trato nem cultura...
Disco e inteligência parecem ter se divorciado irremediavelmente. E assim descobri que meu mundo não existe mais. Deixe estar: tenho reservas de som suficientes para passar bem o resto da vida. Só tenho pena de quem não pode mais desfrutar de uma conversa com o gerente cultivado das lojas de discos de antanho.

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