sábado, 24 de outubro de 2009

Crônica: modo de operar

Gente me para na guia da calçada só para comentar o último texto que fiz publicar neste jornal. Imagino que isso aconteça com outros cronistas deste e de outros periódicos. É uma experiência estimulante e nova, pelo menos para mim, que nunca antes havia tentado escrever sobre a cidade. Fazer crônica envolve atos de compreensão (e ocultação) mútua entre aquele que escreve e aquele que lê.

Devo dizer que há muito tempo sou cronista, mas de espetáculos, discos, filmes e livros. A esse tipo de cronista cultural denomina-se crítico. O crítico é alvo de sentimentos extremos. Ou é detestado ou amado – e o pior que lhe pode acontecer está em ser ignorado pelo leitor. A indiferença lhe é mortal. O crítico faz um esforço para aparecer, à custa de resenhas de obras de arte alheias.

A exemplo dos críticos, os cronistas também mendigam atenção. Acredito que os cronistas da cidade surgiram dos resenhistas. Em um belo dia, talvez em Paris ou Londres no século XIX, o assunto artístico faltou, a ópera deixou de ser apresentada. Como conseqüência, o jornalista encarregado de cobrir a vida cultural da cidade – era chamado de folhetinista – ficou sem outra opção que ir para fora ver no que dava. A crônica nasceu da ausência do que dizer e que fazer. O romance de folhetim também, com a vantagem de não precisar recorrer ao mundo real.

Assim, o cronista pode ser definidio como uma espécie de crítico sem obra de arte, de romancista a suaves prestações. Ou então, um crítico que atribui à vida cotidiana a condição de obra artística. Para arrancar do chão uma observação ou um olhar que interesse ao leitor, ele precisa suar a camiseta. Deve possuir habilidade literária e ficar atento ao mundo que o rodeia, ser sensível e dotado de presença de espírito.

Não é fichinha reunir tantos pré-requisitos em uma cidade que mais isola que reúne, dispersa mais que prende a atenção. Num tal ambiente, o desafio do cronista parece invencível. Talvez seja mais suave falar de uma cidade cercada de história e paisagens bonitas por todos os lados. Mas o esforço de revelar os detalhes ocultos em um lugar turbulento como este fornece ao cronista uma razão de existir e conversar com o leitor. A crônica não passa de uma arte menor, rezam os especialistas. Eu não a vejo assim. Para mim, ela é o sudoku poético das ruas: um jogo de decifração.

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