quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Bafômetro e liberdade

Fui a uma cantina do Bexiga no sábado à noite e fiquei pela primeira vez em dúvida sobre mudar um velho hábito: escolher um vinho para acompanhar a pizza. Ora, esse não era e nem deveria ser um tema para discussões metafísicas ou dilemas morais. Mas a nova Lei Seca me fez pensar um pouco. Só um pouco.
Meu problema não era culpa, mas a possibilidade de ser surpreendido por policiais munidos de bafômetro quando eu estivesse ao volante. E lá estava eu, praticando uma horrível transgressão, diante do olhar severo de minhas filhas. Garçom, que venha o cabernet sauvignon! E aqui faço a confissão do crime: sim, depois de duas taças de vinho e uma margherita, dirigi o carro até minha casa, arriscando o meu pescoço e o de minha família numa noite fria de fim de semana. Não, não adiantaria dizer eu não estava embriagado nem tonto. Eu seria detido!
Vou poupar meu querido leitor de uma aula sobre conduta civil e suas relações com a sobriedade à direção. Também não farei o elogio à contravenção. Não se trata disso. O fato irritante de toda a história de bafômetro no nosso pescoço está no chatérrimo clamor público em torno do assunto. Essas leis tendem a redundar em histeria coletiva - e o resultado é a perda progressiva de direitos mínimos. O cidadão que bebe e comete um acidente não teria já uma pena adequada com a legislação existente? Será que é preciso impor outro pacote de penalidades e submeter os motoristas à humilhação de um teste?
Pergunto isso porque a polícia não é lá grande modelo de conduta. Quantas vezes não vi nossos agentes da lei bebendo alegremente em padarias e bares nas tardinhas de sexta-feira... Agora aboliram a happy hour. Enfim, penso que, se a gente passasse a aplicar o bafômetro nos policiais ou nos funcionários do Detran, talvez não sobrasse ninguém para controlar o insidioso aparelhinho. Estaríamos todos vendo o sol quadrado.
E assim caminha a legislação. Os fumantes, coitados, foram banidos de todos os cantos. Chegou a vez dos bebuns. Daqui a pouco virá uma extensão da Lei Seca para os pedestres. Tenho certeza de que a arrecadação de multas vai aumentar bastante. Animada com os lucros, a polícia poderá inventar um aparelho controlar nossas boas intenções no trânsito, uma espécie de "mentirômetro" para aplicação indolor e imediata. Caso o indivíduo seja assombrado por algum pensamento ruim, ele será imediatamente recolhido ao xilindró.
Enquanto meu vaticínio não se cumpre, proponho um brinde à saúde de nossas instituições - e à nossa liberdade. Garçom, um pro secco, por favor. Depois eu peço uma carona.

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