quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Choque de zonas

Em qualquer cidade, a divisão do território do município em zonas deriva de uma decisão do plano diretor. Mas em São Paulo essas diferenças formais se traduzem em ilusões de identidade. A vastidão da mancha urbana faz com que os habitantes de cada região tentem se encaixar em uma série de características e valores comuns. E assim compartilham culturas distintas entre si. Não se trata de um apartheid ou um zoneamento de classes, embora a origem da Zona Leste seja proletária e a Zona Sul abrigue as mansões e prédios mais ricos. Mas hoje em dia o Tatuapé da ZL é quase um bairro nobre, e do ladinho do Morumbi espalham-se favelas gigantescas. Como as camadas sociais se misturam, resta aos habitantes de cada área se agarrar a uma série de traços distintivos, como modo de falar, comportar-se e até enxergar o mundo.
Quantas vezes não me disseram que o pessoal da Zona Leste é mais simpático e atencioso que os cruéis esnobes da Sul, ou que aquela menina possui um sotaque meio caipira da Oeste? Na periferia, os membros ricos e pobres das cooperativas culturais recebem gente de outros lugares como extracomunitários.
Um amigo meu chamado Tonico costuma jurar que a Zona Norte é a origem de todos os males que infestam o município, de sinistros a indivíduos inescrupulosos, passando pelas frentes frias e tempestades. E o mais curioso é que ele consegue provar que todos os mosquitos e dias nublados nascem e se criam no Tremembé, e de lá partem com o fito de aterrorizar a cidade inteira. No final de demonstração, Tonico dispara, com seu acento de paulistano tradicional, com o “erre” marcado: “Você pode notar que o que digo é verdade. De onde vieram os piores casos criminais ultimamente? Batata: da Zona Norte!”
Talvez seja paranóia ou bairrismo. Porque Tonico é natural da região oposta, a Sul.... e nunca pôs os pés em Santana. Toda vez que cruza a fronteira dos Jardins, diz que se sente um forasteiro na própria terra natal. Segundo ele, as falas, hábitos, as modas, as filosofias, tudo muda... Tanto que ele decidiu sofrer por amor no próprio bairro, para não experimentar choque cultural. Quando quer ver coisa diferente, vai à ZL como se fizesse um safári no Zimbábue. Nas profundezas de Vila Unhokuné e adjacências, Tonico age como um orientalista que se deparasse com exotismo em cada esquina. “Na ZL, me chamam de americano e na ZN, sou africano!”, orgulha-se.
Eu, que não nasci aqui, acho insignificantes todas as supostas diferenças culturais entre quadrantes. Mas quem sabe não esteja notando o quanto se alterou o meu jeito de ser e falar nestas minhas três décadas de Oeste...

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