quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Datas extremas

Durante mais de dois dois anos, segui pelo meio-fio, persegui o que não se via ou não se queria ver, aqui da fronteira, do hífen que separa ou une a rua e a calçada. Anotei tudo à mão, no meu caderno de bolso, enquanto ia andando com o olhar atento, ou sonolento, ou desencantado.
Flagrei favelas destruídas para dar lugar a torres gigantes; políticas públicas sem pé nem cabeça; personagens e amigos que surgiram ou morreram; experiências tragicômicas de chuvas, festivais, bares e tropeços, dramas em filmes e em jogos de futebol; retratos de papagaios e cães. Conversei com o Sr. Trema sobre a nova ortografia; falei do paulistanês, dos andarilhos, dos catadores de papel, dos mágicos, dos mendigos que povoam as ruas. Refleti sobre a crônica e a vida do escritor nas redações. Recordei uma São Paulo byroniana e romãntica que não vivi, mas conheci por tabela. Fiz uma elegia ao poeta que se foi, contei a história de outro que se escondeu e fingiu morrer. Escrevi um testo que um amigo saudoso gostaria de ter feito. Narrei um encontro com o diabo e com os anjos. E contei um pouco de meus passos, hesitações e implicâncias.
Está é a crônica de número 89. Cheguei a escrever umas 20 outras, que não tive coragem de fazer pubicar, por serem talvez demasiado íntimas, ou simplesmente irrelevantes. Acho que posso até lançar um livro com as que publiquei e as que não ousei revelar. Elas formam um volume, uma obra que desde o início se impôs regras, como a de não mentir, seguir o balanço da inspiração e se resignar a um espaço de 2.500 caracteres. Outra regra dizia respeito ao meu incurável fatalismo: dancei pelo meio-fio entre o que ganhei e o que tinha de perder, como prometi no meu texto inaugural. Eu sabia que um dia os deuses me convidariam à retirada, que haveria datas extremas: 2007-2009. É como na vida, chega o instante de sair de cena. A gente sabe que vai se comover.
Meio-Fio foi um espaço raro de liberdade. Jamais fui censurado ou barrado em minhas ideias, fossem as mais estapafúrdias.. Foi um momento único em meus 26 anos de carreira. Pela primeira vez também posso me despedir. Jornalistas costumam sumir das páginas dos veículos sem informar destino – e deixam o leitor desnorteado. Agora tenho o privilégio de dizer até mais. Para o leitor que quiser “seguir” (termo tão em moda) os rastros deste escrevedor, vai achá-los na internet, em meu blog, no site e nas páginas da revista Época. E também vai me encontrar nas minhas andanças entre calçadas e ruas. As páginas e o tempo podem acabar, mas o cronista é teimoso, e segue a anotar o que vê, sente e pensa...

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