sábado, 20 de outubro de 2012

Hilary Mantel faz história

Em 1975, a jovem Hilary Mantel, de 23 anos, trabalhava como balconista em Manchester, no norte da Inglaterra, quando começou a escrever livros dentro de um gênero tido por ultrapassado: o romance histórico. Na semana passada, aos 60 anos, ela alcançou a consagração definitiva como inovadora desse tipo de ficção. Mantel recebeu, pela segunda vez, o Man Booker Prize, o prêmio literário de maior prestígio do Reino Unido, pelo romance histórico Bring up the bodies (o título pode ser traduzido como “Apresentai os corpos”). Havia ganhado o mesmo prêmio em 2009 pela primeira parte dessa história, intitulada Wolf Hall (publicado no Brasil pela editora Record). Pela primeira vez nos 43 anos do Man Booker, foi premiada uma continuação, e de uma trilogia ainda não concluída. Antes de Hilary Mantel, só outros dois autores haviam sido agraciados duas vezes com o prêmio: o australiano Peter Carey e o sul-africano J.M. Coetzee.

"Você espera 20 anos por um Booker e então dois vêm de uma vez só", disse ela durante a premiação. Esse prêmio costuma causar frisson e rompimentos entre os autores da confraria literária londrina. A surpresa do segundo prêmio a Hilary Mantel aconteceu também porque ela não faz parte desse grupo. Na verdade, despreza a chamada “turma de Bloombsury”, o bairro literário de Londres onde os autores e editores circulam. Ela mora no interior da Inglaterra com o geólogo Gerald McEwen, com quem é casada há 40 anos. Na juventude, ela adoeceu gravemente. Além de problemas psíquicos, ela foi diagnosticada com endometriose e teve de extirpar o útero. Além de não poder ter filhos, engordou de uma forma incontrolável, o que desfigurou sua beleza. Escrever e pesquisar os fantasmas do passado tornou-se uma forma de superar os problemas.

            

Na cerimônia de  entrega do prêmio, o presidente do júri Peter Stothard afirmou que Mantel é “a maior prosadora inglesa moderna em atividade” e “reescritora da ficção histórica”. E, de fato, é uma reescritora. Seus livros contam de novo histórias surradas e fantasiadas, só que de um modo peculiar. Seu primeiro romance, A sombra da guilhotina, concluído em 1979, tratava do Terror na Revolução Francesa, que já havia sido abordado por autores como Victor Hugo e Charles Dickens. Mas, em vez de inventar enredos, a balconista aspirante a literata baseou-se em minuciosas pesquisas que realizou em arquivos históricos e bibliotecas. A partir de então, ela causou uma pequena revolução dentro desse tipo de narrativa. Em vez de tomar liberdades com o passado e idealizar personagens e ações, como o fizeram seus antecessores Walter Scott, Alexandre Dumas no século XIX, e Marguerite Yourcenar, no XX, mostrou que era possível fazer com que episódios históricos muitas vezes repetidos ainda pudessem causar espanto ao leitor contemporâneo sem ser infiel às fontes e nem apelar às fórmulas fáceis.

            “Não invento. Apenas preencho as lacunas deixadas pelos documentos, para tentar explicar um episódio”, disse Hilary Mantel a Época em 2010, sobre Wolf Hall. “Eu acho detestável séries de televisão como The Tudors, que deturpam todos os fatos para torná-los mais atraentes.” A história, afirma, é suficientemente cheia de crimes e traições para dispensar artifícios.  

            Wolf hall aborda uma fatia da era Tudor (1485-1613), marcada por lutas de sucessão, assassinatos e conspirações sexuais. O livro relata a ascensão de Thomas Cromwell (1485-1540), de menino de rua a ministro de Henrique VIII. Nesta posição, ele ajudou a consolidar o rompimento da Inglaterra com o papa Clemente VII e a fundar a Igreja Anglicana. O segundo volume, Bring up the bodies (a ser publicado no Braisl em abril), acompanha os fatos que levaram Henrique VIII, aconselhado por Cromwell, a decapitar sua mulher, Ana Bolena, em 1536, e assim evitar um golpe de Estado.  “É um livro mais interessante que Wolf Hall, porque sua trama transcorre em apenas nove meses”, disse Mantel em entrevista ao jornal The Guardian, logo depois de receber seu segundo Man Booker Prize. “O enredo prende a atenção dos leitores com sua lógica insofismável.”

            Ela está escrevendo a terceira parte da saga de Cromwell, a sair em 2013, intitulada The Mirror And The Light ( O espelho e aluz). O volume vai contar a queda de Cromwell, levado ao patíbulo por Henrique VIII como traidor corrupto. “Não será um romance tão interessante como Bring up the Bodies”, disse Mantel ao Guardian, mostrando que não se dobra aos efeitos fáceis da ficção. “Mas é o epílogo real da história fascinante de Cromwell.”