terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O varejão e o tempo

Um leitor sugeriu que eu mudasse de ares e trocasse parques e shoppings pelas feiras livres. Então as idéias foram brotando do cérebro como se já estivesse escrito muito tempo atrás. Refiz meu passeio favorito, pela maior das feiras da América Latina: o Entreposto Terminal São Paulo da Ceagesp (Central de. Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), ou, como o povo diz, o varejão do Ceasa...
Costumo dizer que o Ceasa está para São Paulo como o Louvre para Paris. A exemplo do museu francês, seria necessário passar dois dias passeando pelas frutas, legumes, flores, peixes e verduras para conhecer tudo o que o Ceasa oferece. Se você subir até a plataforma,.terá a visão panorâmica da agitação de quem vende e compra. De cima é possível ouvir o grande coral feito de bordões, anúncios e conversas nos mais variados assuntos, e idiomas.
À medida que o visitante penetra no aparente caos, vai se envolvendo com a dimensão humana de um mundo peculiar. Aprendi muito nos meus passeios, de expressões em cantonês (o idioma mais falado pelos chineses paulistanos) a particulardiades do japonês à brasileira. Lições de vida se misturam a macetes para escolher frutas e técnicas de plantio do brócoli ninja, por exemplo. Discuto futebol, ouço e conto piadas, desafio o queijeiro a acertar no peso de 287 gramas de meia-cura.
O sábio francês Montaigne dizia que o sujeito sempre tem a aprender, desde que faça as perguntas à pessoas certa. Com o dono da plantação de maracujá, pergunto por que a fruta está tão verde. Sobre nuances do atum falo com o peixeiro. E assim por diante, vou aprendentdo com os verbetes vivos.
A maior lição do varejão é a da passagem do tempo. Freqüento o lugar há duas décadas, e já vi muita gente ir e vir, uns amadurecer e ter filhos, ou envelhecer, ou ir embora para sempre. Fiz e faço amigos. Feito as plantas, verduras e flores, as pessoas têm suas estações. Elas passam, voltam e se transformam num movimento irresistível.
Agora é a vez do inverno, e o pavilhão mágico é atravessado por nuvens escuras e estranhos presságios. Os feirantes, em especial os que trabalham com verdura, reclamam que têm de acordar cedo e molhar as mãos na água fria. O vendedor de banana se diz cansado do monopólio de um grande plantador do litoral. Eu me encanto com os sinais negativos, até porque sei que em seguida as outras estações virão trazer ventos novos. Com o inverno, vêm os morangos e as maçãs.
Deve chegar para mim o dia - oxalá distante - de não mais estar ali. Prometo que irei mirar-me no exemplo das goiabas brancas que somem sem explicação, ofuscadas pelas vermelhas, e reaparecem do nada às vezes, como um miasma, uma recordação ou a aposta de algum feirante imprevidente.