segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Ser paulistano é estacionar

Há coisas que só paulistano sabe fazer. Um forasteiro pode aprender algumas delas, mas há outras que são inimitáveis. O paulistano de verdade é refratário a influências externas. Observo isso o tempo todo.Esta cidade abriga gente de todas as partes do Brasil e do mundo. Moro na cidade há quase trinta anos, aqui fui bem recebido, trabalhei, casei e tive filhos aqui. Me considero paulistano. Só que pertenço à categoria dos paulistanos forasteiros – e de uma subdivisão ainda menor, a dos paulistanos sul-rio-grandenses. Tanto que já tenho até uma lápide preparada, para quando for enterrado no Cemitério da Goiabeira: “Aqui jaz L.A. Giron., jornalista gaúcho ‘erradicado’ em São Paulo”.
Sinto que ainda existe a distinção entre o paulistano de fato e os extracomunitários. Talvez a diferença tenha se dissipado com o tempo, até porque a partir dos anos 1920 os imigrantes tomaram a cidade e alteraram o seu DNA. Esses anos todos, peguei o sotaque e assimilei hábitos locais. Ser paulistano, enfim, é um processo. Mas sinto que existe uma fronteira que não vou poder atravessar. Faz parte dos traços da identidade do cidadão local que jamais irei incorporar totalmente.
Entre as habilidades possíveis de assimilar, posso citar umas cinco: a compulsão de formar filas instantâneas, a liberdade de encarar as pessoas na rua, a compulsão de pechinchar e fazer negócios, a capacidade de se divertir em espaços lotados ou de chegar aos lugares mais improváveis só com uma conversa no ponto de ônibus. Já consigo fazer tudo isso, não sem certa dificuldade...
Só que para mim é impossível aprender a principal aptidão do paulistano: sua maestria em estacionar. Como o pessoal é rápido, certeiro e invencível! Quando começo a pensar em encostar o carro em alguma vaga, o sujeito já está lá, abrindo a porta para a namorada. Nem posso reclamar. Ele foi melhor que eu, afinal. Soa bem paulistano o ditado: “Quando você vai para a roça colher café, eu já estou de volta com ele moído e torrado!”
Pois me sinto assim nos estacionamentos: sempre perdendo uma partida. Fico admirado como minha mulher – paulistana de quarta geração – consegue driblar e ultrapassar os motoristas mais espertinhos em vagas as mais minúsculas. O indivíduo vem todo feliz com o café torrado – e ela já está servindo a segunda rodada da bebida! Se houvesse um campeonato de estacionar, ela venceria.O paulistano mesmo é o virtuose dos estacionamentos: nasceu com o dom e não adianta tentar imitá-lo. Tenho de me conformar em ser um quase-paulistano, demasiado lento para conseguir uma vaga no estacionamento.