terça-feira, 22 de setembro de 2009

Papagaio Ilegal

Outro dia a Polícia Civil apreendeu na Zona Norte 230 aves silvestres. Os pássaros estavam presos em 30 gaiolas, coitados: canários, sabiás, cardeais e papagaios. Antigamente esses bichos eram de estimação, faziam parte do cotidiano das nossas casas. Hoje foram promovidos a animais silvestres raro, protegidos - e, por isso, cobiçados pelos traficantes. É bizarra a dança da civilização. Nossas mães penduravam gaiolas na cozinha; agora os engaiolados se uniram contra os lares. Se alguém quer criar em casa um animal silvestre,deve se registrar no Ibama – ou entrar para a ilegalidade.
O que escrevi acima serve como um belo bico de cera para o assunto desta crônica: quase cometi um crime por adotar um papagaio... de nome Rigoletto. Tudo se deu há poucas semanas, ao visitar uns primos no interior. Na volta, eles queriam me presentear com um papagaio, neto do Louro, que reina aboluto por lá há 37 anos. Não seria uma proposta tentadora, caso o jovem espécime não se revelasse um prodígio. Ainda me espanto com ele: o bicho assobia, dança, canta, pensa, fala, discute. Por ser levemente corcunda, recebeu o nome do bobo-da-corte de Mântua que intitula a ópera de Giuseppe Verdi.
Mas o Rigoletto bicudo é elegante. Não usa a fantasa grotesca, sua filha não foi desonrada pelo Duque nem possui o registro de barítono. Também não defende árias de ópera. Rigoletto tem a voz aguda e rouca, desconhece os palavrões e adora o repertório pop. Interpreta “A Ponte do Rio Kwai” (primeira e segunda partes), “Parabéns a Você”, o “Hino do Palmeiras” (sua formação é italiana...) e, juro,“Love Generation’, sucesso recente de Bob Sinclair, sem ignorar o refrão com assobios. Quando ninguém está na cozinha, chama as pessoas pelo nome. Dá para resistir?
Pássaros como os sabiás e canários criaram a música – e os papagaios foram seus primeiros divulgadores. Isso até o homem aprecer, para roubar a arte daqueles, o engenho destes - e depois inventar a ornitologia, a ecologia e... o Ibama.
Meus primos me avisaram que Rigoletto não tem registro legal. Resolvi que não poderia adotar o bicho.Voltei para casa com o coração asobiando tristemente “Love Generation”. Os primos me mandam agora pelo MSN fotos e vídeos de Rigoletto com o olhar suplicante, na esperança de me convencer a ficar com ele. Mas vou resistir á tentação de entrar para o crime...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Futebol e drama

Sou aquele torcedor que abaixa o som da televisão, liga o radinho e passa o fim de semana grudado nas notícias de seu time. Como palmeirense, meus últimos domingos têm sido repletos de emoções negativas: raiva, inveja, vontade de dar um coco no Marcos e um cascudo no Luxemburgo. Não vou apoiar os bárbaros que agrediram o treinador, mas consigo entendê-los. Onde já se viu jogar a toalha antes de terminar o campeonato?. E o desespero da equipe, capiteneada pelo São Marcos, o mártir, o louco? Enquanto isso, o São Paulo segue invencível e o Grêmio cola, na marcação agressiva e fria. Ficamos para trás, e lá se foi mais uma vez o meu domingo..

Por isso, prometi dar um basta ao futebol. Foi o que declarei à minha mulher à noite: “Perder mais um dia de sol, nunca mais!” Ela me olha divertida: “Você fala assim agora. Domingo que vem vai estar com o olho pregado na TV de novo”. Juro que não. Ela ri e diz que pelo menos times como o Palmeiras dão grandes emoções, diferentemente do São Paulo (é são-paulina), “que só ganha”.

Pensando bem, é isso mesmo. Há dois gêneros de time: os calculistas e os dotados de espírito trágico. O São Paulo pertence à primeira categoria. Deve seguir vencendo nos campeonatos de pontos corridos. O Palmeiras, assim como o Corinthians e a Portuguesa, comete tanto proezas como falhas épicas. Times assim lutam para fugir do rebaixamento porque amargaram na Segundona. Conhecem o drama. O tricolor permanece no alto, olímpico e indiferente aos concorrentes. Indiferente à precariedade humana, enfim.

Sou voz vencida, mas insisto em criticar o critério de pontos corridos. Ganham sempre as equipes regulares. Vejo o futebol como uma praça de touros. O sangue precisa voltar à arena. Sonho com a volta dos quadrangulares em mata-mata, a rivalidade entre torcidas, e a sorte. Talvez com o retorno do Corinthians, ano que vem, o Palmeiras recobre o seu papel. Pois não há drama sem antagonista.

Não é o caso do São Paulo. Penso nele como um Zeus de tragédia, que está matando o esporte lentamente, com o veneno da previsibilidade. Para salvar o que resta, minha sugestão é que, daqui para frente, o São Paulo receba o título de hors concours. Como o saudoso Clóvis Bornay nos concursos de fantasia. Digo sem malícia: Bornay vencia sempre, então os jurados lhe atribuíram a honraria de competir já como campeão. Que o São Paulo seja hors concours e deixe o os outros manter vivo o drama.. O futebol ficou sem graça.- exceto, obviamente, para os são-paulinos...