quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A oitava maravilha

Os paulistanos andam meio chateados com o fato de São Paulo não ter um monumento para figurar entre as Sete Maravilhas do Mundo Moderno. Pior, o Cristo Redentor ganhou a eleição e agora figura entre as maiores atrações do planeta. Mas será que haveria por aqui um rival para a beleza art-déco do Cristo – sem falar do impacto da paisagem que envolve a estátua carioca? .
A mentalidade daqui sempre foi ignorar tanto os monumentos como a natureza. Existe o prazer dominante de desprezar ornamentos. Agora a feiúra virou até atração turística. O grupo Parlapatões lançou na semana passada o passeio O Pior de São Paulo. O ônibus da excursão sai da Praça Roosevelt nos fins de semana. Durante seis horas, os atores da trupe e turistas percorrem os pontos mais horrorosos de uma cidade rica nesse tipo de desatração. Não há roteiro definido. O negócio é improvisar e espantar com novos sustos. Os Parlapatões copiam a idéia de um comediante de Madri. A capital espanhola é repleta de lugares lindos é só uma graça a mais. Em São Paulo, o desafio seria o contrário: encontrar pontos bonitos. Tarefa difícil, talvez, mas não impossível.
Um dos lugares mais citados como símbolo do mau-gosto e que se tornou ponto obrigatório do tour Pior de São Paulo é a estátua de Borba Gato, em Santo Amaro. Inaugurada com “pompa” (leia-se: desfile de índios e alunos de escola) em 1963, a obra do escultor Júlio Guerra levou seis anos para ser concluída - prova de que nem sempre o esforço de um artista dá em obra-prima. Na verdade, o resultado é um monolito de cimento de 10 metros de altura, revestido com pedras de mármore e basalto. Representa o bandeirante Manoel de Borba Gato, chefe dos paulistas na Guerra dos Emboabas, contra os portugueses. Chama a atenção o aspecto tosco do vulto histórico, conhecido como “o guardião de Santo Amaro”, em posição de sentido, com chapéu e trabuco e chapéu. Deve agradar às crianças. Afinal, é uma espécie de Shrek à paulista.
Soube que os santamarenses fundaram um movimento pela candidatura de Borba Gato à Oitava Maravilha do Mundo. Isso porque a obra provoca debate. Há quem a venere como símbolo máximo do Brasil, com direito de figurar ao lado do Cristo e a cidade de Petra. Há quem a abomine. O movimento não deixa de ser corajoso. Uma coisa é certa: se houver o campeonato dos Sete Espantos do Mundo, estaremos bem representados!

Crianças quase-adultas

São tantas as mudanças que chega o dia em que o arcaico vira atual. Até início do século 20 as crianças eram educadas como pequenos adultos. Os meninos se vestiam com terno e gravata. As meninas pareciam as avós em que a longo prazo se transformariam – e de fato se transformaram em nossas avós. As crianças já estavam preparadas para o mundo real. Depois, a infância se alongou a ponto de todo mundo ter virado um pouco pueril. Mas agora as coisas mudaram. As crianças estãovirando, trajando e consumindo como adultas.
Basta passear agora mesmo por algum shopping center. A gente vê hordas de adultos miniaturizados, a circular em bandos. São meninos e meninas de 5 a 10 anos que andam desacompanhados e se comportam como um sindicato. São os chamados tweens, a tribo urbana que ganhou definição há três anos, com o musical de televisão High School Musical. O termo vem do inglês “between” e define quem passa pela transição entre a infância e a adolescência. Os tweens invadiram os mutliplexes para ver HSM3, o derradeiro musical que retrata uma turma de meninos cantores e dançarinos, chefiados pelo vênus azulado Zac Efron.
No último fim de semana, a estréia de HSM3 correspondeu ao auge da 32ª Mostra de Cinema. Num shopping, eu esperava na fila da Mostra para ver o longa Uma Rua Chamada Brick Lane. Eu integrava a turma “cabeçuda”: universitários e intelectuais. Ao lado, numa fila maior, posicionavam-se os míni-rappers e miniperuas, esperando com excitação para gritar e dançar com Zac.
Passei os últimos 16 anos acompanhando minhas filhas ao cinema – e me acostumei a tudo quanto foi filme infantil. Elas cresceram, mas a mais nova, de 14 anos, é fã de HSM3. E ficou um pouco tímida de seguir a turma mais nova. Preferiu ir com a gente a Brick Lane. O HSM3 exerce um efeito regressivo junto ao público. É o contrário de Harry Potter. Os fãs do mágo cresceram com os atores do filme, e os seguem até hoje. É quase o mesmo público de HSM3. Só que o musical avançou sobre os mais novos. Assim, recuou no público-alvo, ao passo que deixou abandonados os fãs iniciais. A platéia de HSM3 hoje é muito mais nova que a de três anos atrás. Os tweens já englobam crianças adultinhas de 4 anos!
Se eu tivesse filhos pequenos hoje e tivesse de largá-los fantasiados nos shoppings, acho que enlouqueceria.Tenho a impressão de que a infância foi roubada e a substituíram pela grife tween.
Aonde isso vai parar? Em nenhum lugar, porque nunca vai parar. Continuo gostando do Corcunda de Notre Dame e da Pequena Sereia. Me sinto mais criança que as crianças de hoje...

Dia mundial sem nada

O Dia Mundial sem Carro, a acontecer no sábado 22, é uma idéia estimulante. Claro que pretendo aderir ao movimento, até porque não faço outra coisa que sair a pé aos sábados, escarafunchando os recônditos desta megalópole frenética, equilibrando-me entre as calçadas e as ruas, em busca de fatos inusitados. Virar um pedestre privilegiado me anima, até certo ponto.
No último domingo, assisiti na avenida Paulista a um atropelamento e constatei a banalidade da morte e do perigo, a frieza com que os outros passantes trataram o fato: a curiosidade mórbida ocupou o lugar da preocupação ou da solidareidade. Foi assustador. Bom saber que no próximo fim de semana poderei andar de modo mais livre... isso se as bicicletas não tomarem simplesmente o espaço dos carros e São Paulo virar a Pequim dos anos 70 por um dia. Talvez ser atropelado por uma bike seja mais ecologicamente correto do que por um veículo motorizado. Mas será que bicicletas solucionam o problema?
De tanto pensar em bicicletas, comecei a ficar com dúvida sobre a utilidade de um dia desses, consagrado ao não-carro. Talvez a efeméride não possa ir além da ligeira conscientização de que o sautomóveis fazem mal, poluem, são perigosos e cerceiam a liberdade de ir e vir do cidadão. Não seria a ocasião somente uma data utópica, uma entre as muitas que figuram no Calendário da Fantasia Humana? Além de tudo é sábado, um dia de lazer quando as pessoas querem virar por algum tempo bípedes e se ver livres dos veículos.
Pense comigo. Um Domingo Mundial sem Bicicleta não faria um efeito igualmente glorioso? Você há de concordar de que seria ótimo correr como gente em alguns parques, a gente livre do desempenho torto ou das trombadas dos ciclistas. E o Dia Mundial sem Motoboys? Quem sabe todos os problemas urbanos não se resolvessem sem esses desvariados condutores de motocicletas? Pode ser que o Dia Mundial sem Internet fizesse com que nossos filhos esquecessem o bate-papo virtual e voltassem a estudar. O Dia Mundial sem Chatos... sem Cachorros... sem Fubebol, sem Cobradores, sem Avião, sem Ecochatos, sem Documentos, sem Estado! Dá para sonhar também com o Dia Mundial sem Chefe. E por aí vai.
Ha realmente figuras e fatos cuja a ausência preencheria uma lacuna em nossas vidas. Por isso, vou sugerir a uma ONG qualquer o Dia Mundial sem Nada. Nesse dia, de preferência uma segunda-feira, a grande família humana será conclamada a não pensar em nenhuma coisa em particular. Aproveitará 24 horas para não trabalhar, não sonhar nem esperar o dia que virá, esquecer o próprio nome por alguns segundos. Quem sabe a gente acorde na manhã seguinte com alguma idéia que transforme o mundo de verdade?