sábado, 1 de setembro de 2012

Candidatos pokémons

Jovens fazem campanha política usando heróis de desenhos japoneses. Eles resgatam ou estragam as utopias infantis?

LUÍS ANTÔNIO GIRON1


Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA) 

Aristóteles dizia em sua República: “O homem é um animal político”. Mas isso foi 24 séculos atrás. Hoje esse animal político se transformou em um ser fantástico: encarna o visual e adota as ideias de super-heróis, mascotes virtuais e personagens de desenhos animados, tanto dos animês japoneses como das histórias de Walt Disney. Sim, era inevitável: chegou a hora dos filhos do monstrinho Pikachu, seus amigos e concorrentes entrarem na política. A geração de candidatos de 18 a 25 anos dá início a suas campanhas em todos os cantos do Brasil. Muitos desses jovens nutridos na internet, no videogame e na cultura pop assumiram o ideário – se pode ser chamado assim - das histórias que amaram na infância e na adolescência. Eles pertencem a diferentes partidos e divulgam seus programas políticos em jingles que usam indevidamente material da cultura pop veiculados pela internet, e já começam a ficar famosos por seus autoproclamados superpoderes. Obviamente, o objetivo deles é arrebanhar o eleitor jovem. Um número enorme de internautas da mesma idade deles formou exércitos de seguidores. Outros, mais críticos, acham que esses aspirantes a políticos andam estragando os símbolos de suas infâncias. Quem votar verá no que essa geração vai dar.

 Há dezenas de exemplos, mas vou me limitar a três candidatos à vereança em seus respectivos municípios, cada um com seu super-herói padroeiro.

Thalison Mendes, de 20 anos, joga-se pelo PSL (Partido Social Liberal) na campanha à câmara dos vereadores de Rio Claro, estado de São Paulo, com uma plataforma tão ousada como bizarra: ele se apresenta como o “candidato Pokémon”. No YouTube, o “santinho” de Thalison é animado pelo “Hino do Pokémon”, o prefixo musical do desenho animado japonês Pokémon, uma franquia da Nintendo, que ficou famoso a partir de 1996, só que com letra trocada. Diz a letra do jingle (acompanhe mentalmente com o “Hino de Pokémon”):

“Para fazer Rio Claro crescer
Já sei em quem vou votar
É juventude no poder
Juventude e experiência
É hora de repensar
Essa escolha a nós pertence
Para a história arrepiar
Thalison, temos que votar
Eu sei, é nele que eu votarei (...)”

 

Assim, a invenção do designer de games japonês Satoshi Tajiri agora é usada para vender a imagem de Thalison, um moço impoluto, capaz, como o herói Ash, de transformar Rio Claro em um campo de batalha infinito do Bem contra o Mal e seus habitantes, em monstros de bolso (“pokémon” é a abreviação da expressão em inglês “pocket monsters”) fadados a incalculáveis metamorfoses, como Bulbassouro, Hypno, PsyDuck, Toguepi – e, naturalmente, Pikachu, inspiração maior para o candidato, cujo currículo – que cabe no seu twitter @mendesthalison –, inclui, além de horas na frente da televisão, a “gestão de pessoas” e a presidência do Grêmio Estudantil de seu ginásio. Ele promete “arrepiar” a história do município. Como será o dia seguinte de Rio Claro depois do choque da ideologia Pokémon? Logo saberemos.

Outro candidato de sucesso agita a cidade de Parnamirim, no Rio Grande do Norte é Tiago Dionísio, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O professor de matemática, humorista e artista plástico de 18 anos já teve mais de 500 mil acessos no YouTube com seu jingle político, baseado no prefixo musical do animê japonêsDragon Ball Z. A adoção desse animê conhecido por seu alto grau de violência partiu de uma visão crítica de Tiago em relação à tendência atual da campanha em parodiar músicas de sertanejo pop de Michel Teló, Gusttavo Lima e da dupla João Lucas e Marcello. Lembrando que o candidato à prefeitura de São Paulo José Serra lançou, nesta semana, a versão de sua campanha para a música "Eu quero tchu, eu quero tcha". “Sou jovem e fui muito fã do Dragonball Z”, diz Tiago. “Eu estava cansado de ‘tchutchathá’ e usei uma música de minha infância.“ Ele canta em seu jingle que é a solução para o caos urbano do nordeste:

“Nós podemos ver que Parnamirim está um caos
Mas uma pessoa pode nos ajudar
Com seus projetos vamos para a frente
Sua disposição nós dá força para lutar
Em Tiago temos que votar
É um jovem justo e bem melhor que os que já têm
Todos juntos vamos triunfar!
Com Tiago juntos vamos prossegir
Vamos vencer”

 

Como no desenho e no mangá Dragon Ball Z, Tiago Dionísio se apresenta como pertencente à etnia extraterrestre dos Saiyajins, a mesma da qual faze parte o herói Goku, que combate o vilão Vegeta, androides perversos da força Red Ribbon e outros malvados interplanetários. Como Goku, o sayajajin Tiago Dionísio pretende se tornar o protetor não apenas de Parnamirim, como de todos os terráqueos. Para isso, promete implantar polos de ensino gratuitos em todo o planeta. Assim como Goku se vingou da matança de bilhões seres ao derrotar o bandido espacial Freeza na batalha do planeta Namek, Tiago quer eliminar a violência por meio da educação, sem fugir à luta. Sua popularidade na internet já lhe rendeu participação de programas de televisão e o status de celebridade geek nas redes sociais. Haverá um Vegeta ou um Freeza capaz de detê-lo? Pouco provável.

A nova cepa de candidatos não se limita a ferver em municípios progressistas como São Carlos e Parnamirim. Do sertão da Bahia surge Thonga, fã da série Cavaleiros do Zodíaco, a série de animês japoneses criada originalmente em mangá em 1986 pelo desenhista Masami Kurumada. Thonga (pronuncia-se “tchonga”) concorre à vereança pelo PMDB na cidade baiana de Conceição do Coité. Em vez de rezar pela cartilha de Ulysses Guimarães e outros ideólogos ancestrais do partido, o jovem Thonga prefere pensar na política como uma luta dos cavaleiros (“santos”, no original) zodiacais pela defesa do domínio da deusa Atena sobre os usurpadores do Olimpo. Atena, a deusa da justiça e da razão, inspirou Thonga a adaptar a canção “Pegasus fantasy” da banda de heavy metal Angra para o desenho Cavaleiros do Zodíaco. Acompanhado por um guitarrista de estilo heavy metal, Thonga surge no YouTube aos gritos, entremeando exclamações como “yeah!”:

“Para não errar no dia da eleição
Escolha quem vai fazer a cidade entender
Este cidadão quer nos proteger
E bolar as idéias e forças para mudar
Eu voto em Thonga
Eu voto para mudar
Coração sonhador 
Vou revolucionar
Vamos votar
Em quem sabe fazer
Oh, yeah!
Vamos votar, unir as nossas forças
Thonga, vamos vencer. Yeah!“

 

As palavras “yeah!”, “revolução” e “juventude” e a plataforma de luta do bem contra o mal se repetem nos jovens candidatos pokémons. E contagiam as campanhas dos mais velhos. O prefeito Toinho Barbosa (PTB), candidato a reeleição em Igaci, Alagoas, vale-se da canção do desenho He-Man, de 1983, e o slogan “Eu tenho a força”? “Ele é a força / da Igaci / vamos amigos / unidos venceremos a semente do mal”, diz o jingle, em ritmo de tecnobrega. Toinho sonha em ser Mestre do Universo (não esqueçamos que He Man pertence à série Masters of the Universe) em Alagoas e adjacências. No interior de São Paulo não parece ser diferente. A pedagoga Tia Nei, com 21 anos de experiência em pedagogia infantil, aspirante a vereadora dos Democratas (DEM) na cidade paulista de Guararapes, vale-se de um trecho inteiro do desenho animado Rei Leão, dos estúdios Disney, para preconizar sua infalibilidade. A canção “Hakuna Matata”, cantada por Timão, Pumba e Simba, é dublada como “Na urna é batata”: “Na urna é batata/ meu voto eu já sei/ É a tia Nei/ Você vai ver/ Os seus problemas/ ela vai resolver/ Na urna é batata/ Agora sim: 25555”.

Dessa forma, em clima de fim de mundo, os jovens candidatos ensinam aos mais velhos o caminho do triunfo sobre o lado obscuro da força. Eles demonstram que o vazio do idealismo e das utopias deixados pelas gerações passadas pode ser preenchido por uma concepção heroica e bélica da existência. No mundo de Ash, o menino guerreiro dono de Pikachu, não há lugar para cinismo ou a busca de lucro fácil. Também os Guerreiros do Zodíaco e Goku, de Dragon Ball Z, não baixaram o planeta Brasil para apenas divertir. Eles prometem combater as quadrilhas que vierem a assaltar o Estado e entronizar a juventude no governo. No dia 4 de outubro, vão mostrar a eficácia de seus superpoderes. Se existem meninos e meninas que acham que eles lhes roubaram a infância, não é por culpa dos candidatos. Mangás, videogames e animês impregnaram as novas gerações não apenas da vontade de comprar produtos. Eles carregam lições de filosofia de vida e ação social. Por isso, dias de arrepiar estão por vir. E não vou me espantar se nas próximas eleições aparecer Optimus Prime, o protagonista da sérieTransformers, como forte candidato à Presidência da República. Então teremos de reformular mais uma vez Aristóteles para dublá-lo e fazê-lo dizer: “O robô é um super-herói político”.