sábado, 22 de agosto de 2009

Vista para o mar

Quem disse que São Paulo não tem praia? Basta dar uma olhada na rua nesta sexta-feira por volta das seis da tarde. As “prainhas” se espalham por todos os quadrantes da metrópole, do centro à periferia, invadindo também os bairros mais ricos. Assim são chamados os bares com mesas nas calçadas. Ali o pessoal se reúne, bebe cerveja, faz barulho e joga conversa fora. É um espaço cenográfico que simula areia e mar. Só não há nada disso por mera contingência.
Vamos nadar pela História. A colonização do Brasil começou na praia. Martim Afonso de Sousa fundou a vila de São Vicente em 1532, a primeira povoação brasileira. São Paulo de Piratininga foi criada 22 anos depois, num planalto magnífico próximo ao oceano. No início, não passava de um reduto indígena gerenciado por jesuítas. Para os padres, tratava-se do local mais aprazível do planeta – que eles conheciam bem, pois percorriam os continentes conhecidos O clima era ameno, as montanhas suaves, rios e vegetação abundantes. E ficava num ponto estratégico, entre o mar e o interior desconhecido do Brasil. Por isso, os bandeirantes apelidaram São Paulo de “a boca do sertão”. Pela boca se iniciou a exploração do interior. Isso deu ao reduto, mais tarde vila e, por fim, cidade, uma carcterística: a cabeça bifronte, contemplando a um só tempo o sertão com espírito de aventura, e o mar, com nostalgia do espaço abandonado.
Escrevi o parágrafo aicma só para dar crédito histórico às multidões de clientes dos bares, que olham para fora buscando visões de ondas batendo nos rochedos. Sim, e elas têm razão em mergulhar na imaginação, porque que nem mesmo as previsões mais catastróficas de aumento do nível dos oceanos por conta do aquecimento global trarão uma tábua de marés às prainhas da Paulista. Talvez a profecia do Antônio Conselheiro fosse propícia. Porque, se o sertão virar mar e o mar virar sertão, a boca do sertão reúne credenciais para se converter em boca do mar, entrada de golfo ou baía. Aí, sim, seria possível para os bebuns trocar a miragem por uma mesa mais próxima da arrebentação.
Enquanto as profecias não se verificam, as prainhas servem como paraísos artificias para quem não pode descer ao litoral. Não poderia haver nome mais expressivo. Porque praia é um estado de espírito. É um olhar e um gesto criador. Sem muito esforço, os freqüentadores de prainha conseguem transformar o concreto em palmeira... especialmente quando estão mais altos.