quarta-feira, 11 de julho de 2012

Sou mais Twitter do que Face

A batalha final entre as redes sociais se aproxima feito epílogo de uma franquia de cinema. As redes mais fracas foram eliminados em escaramuças ocorridas nos últimos dois anos. Orkut, MySpace e outras perderam seus membros e, por conseguinte, a guerra. Na Internet, briga-se não por territórios, mas por exércitos, porque eles constituem a maior riqueza. Exércitos que lutam entre si por mais e mais tropas: talvez os conflitos do passado não tenham sido nada além que isto, a sanha de dominar pessoas. Só que agora tudo acontece no campo aparentemente etéreo da guerra mundial virtual. Nesta altura da saga das redes, os vencedores são o Facebook (ou Face, como dizem os brasileiros em bom português) e o Twitter. O serviço de rede social de Mark Zuckerberg disputa com o microblog de Jack Dorsey a hegemonia de nossas mentes e almas. Tornou-se quase uma guerra de trincheiras. De que lado você está?

A pergunta pode parecer ociosa se consideramos que muitos usuários de uma rede fazem parte da outra. No entanto, observo que uma parcela significativa da turma que usa tanto Twitter como Facebook prefere um serviço ao outro. Existe uma divisão mental e de tipo de usuário. Na verdade, são duas tribos bem distintas, que possuem características e visões de mundo que vou tentar descrever e analisar mais adiante. Antes, vou abordar a história e o estatuto dos dois serviços e identificar seus detratores.

Já disseram que nunca se sabe aonde vai dar uma invenção, porque ela depende do uso que as pessoas fazem dela. Ninguém imaginaria, oito anos atrás, que um site criado para juntar estudantes da universidade Harvard, como o Facebook, chegaria aos atuais 900 milhões de usuários e revelaria às pessoas a dimensão e a qualidade de seus relacionamentos. Ou que um microblog de San Francisco que não se levava a sério em 2006, a começar pelo nome – na definição do cofundador Jack Dorsey, Twitter significa a um só tempo gorjeio de pássaro e “uma manifestação breve de informação inconsequente” – atingiria 500 milhões de membros, entre eles muitos cidadãos inteligentes capazes de expressar visões de mundo e sistemas filosóficos inteiros nos limites dos 140 caracteres impostos por seus donos. Cada um a sua maneira, Facebook e Twitter colaboraram para alterar a história e a forma como lidamos com outras pessoas e com a própria realidade. Por meio deles, surgiram movimentos sociais, rebeliões e focos de resistência democrática, bem como atentados terroristas.

outras colunas de Luís Antônio Giron

Mas há quem reduza a função política dos dois. O escritor americano Jonathan Franzen me disse em entrevista que duvida que o Twitter foi um fator determinante nos protestos do Irã e do Egito. “O papel das redes sociais em atuar efetivamente no mundo concreto está sendo superestimado”, disse Franzen. “A solução dos problemas das pessoas não está no mundo digital, mas no mundo concreto.” Franzen me disse que jamais irá entrar no Facebook e no Twitter.

Entendo o virgem de internet. É aquele sujeito que acredita que pode manter a reputação simplesmente por se recusar a participar do lindo mundo novo das redes sociais. Eu próprio escrevi tempos atrás uma refutação ao Facebook, e anunciei que ia sair do serviço de Zuck, mas acabei desistindo por pressão social. Família e amigos me forçaram a me emaranhar de novo na teia e, pior que isso, a interagir virtualmente com eles. E acabei imitando o virgem de 40 anos daquela comédia com o Steve Carell: quando, virgem de 50 anos, caí em tentação, e me lambuzei como nunca. Fui incapaz de manter meu voto de castidade digital, e admiro quem consiga. Quando intelectuais como Jonathan Franzen - e Eugenio Bucci, em artigo recente para ÉPOCA - juram que são felizes na condição de dinossauros tecnológicos, sinto-me um rematado pecador. Mas acho que eles mantêm o celibato digital mais como estratégia de militância filosófica do que por uma fé inabalável em que o ser humano possa se purificar longe dos tentáculos da aranha digital. De minha parte, não tenho vocação sacerdotal. Sou curioso demais para manter a reputação ilibada. Como disse o polemista austríaco Karl Kraus: “Conhecer o Diabo sem assar no inferno é algo que conviria a muita gente”. Prefiro queimar no inferno a posar de falso moralista.

E já que me encontro no inferno, vou tentar resistir por estes círculos mesmo, sem perder a argúcia. Uso os dois serviços, mas prefiro o Twitter, por inclinação. Vou raramente ao Facebook, até porque não gosto de fuçar detalhes das vidas alheias e muito menos ainda que investiguem a minha. Eu acho que aí reside a diferença essencial entre quem usa mais o Twitter do que o Facebook: o Twitter é fundamentalmente aberto e público, ao passo que o Facebook oferece ao participante um ambiente supostamente privado. Supostamente porque sabemos que Zuck libera os dados dos usuários a empresas que queiram pagar para utilizá-los para vender seus produtos e serviços. Segundo o militante digital Eli Pariser (no livro O filtro invisível – o que a internet está escondendo de você, Zahar, 252 páginas, R$ 41,75), o Facebook filtra a informação e usa um algoritmo que esconde a maior parte dos seus amigos, destacando aqueles com quem você mais interage. Com isso, o Facebook tribaliza os usuários, tornando sua comunidade um grupo ordenado de pessoas que pensam, se comunicam e têm gostos idênticos entre si. Mesmo assim, ainda acredito que é possível manter a mesmo tempo a privacidade e o perfil no Facebook – bastando para isso ser seletivo e alterar as configurações de privacidade do site. Segundo Pariser, o Twitter é um veículo mais livre e transparente, porque sua regulamentação é tênue e seu algoritmo, totalmente inclusivo.

De alguma forma, o Twitter se parece com os meios tradicionais de comunicação, pois permite que se propaguem informações sem restrições de comunidade. Daí, talvez, os profissionais de comunicação gostarem mais dele do que do Facebook. O usuário pode seguir uma celebridade – e ser seguido por ela – sem filtros. Você pode dar um furo de notícia e se tornar importante da noite para o dia. E também tem a opção de configurar o Twitter para que ele sirva como uma rede superexclusiva, ou então se valer de um pseudônimo para se expressar livremente, sem as amarras de sua condição social e profissional. Eu, por exemplo, tenho duas contas de Twitter, uma aberta e pública, e outra fechada, só para a família. Como interagir com parentes não se parece nem de longe com diversão, minha conta superprivada é quase inoperante. Por curiosidade, a conta fechada é, entre as duas, a que mais recebe solicitações de ingresso. O Twitter se afigura (e se configura) mais ágil que o Facebook e, ainda que não traga aplicativos e páginas atraentes como os do Facebook, permite comunicação com interlocutores específicos e divulgação de fotos instantâneas.

Por tudo isso, o Twitter aparentemente combina mais com pessoas mais despreocupadas e capazes de agir em público com desenvoltura. Quem usa o Twitter corre risco. Parece andar em uma praça, sujeita às intempéries, ao acaso e ao contato das multidões. Faz e recebe críticas, ataca e é atacado. Quando alguém namora pelo Twitter, o faz à vista da massa incógnita – mas não está nem aí para isso. A presumível livre expressão do pensamento faz parte do mecanismo do gorjeio quase infinito, que se dissemina através da retuitagem. Ele fornece a ilusão de que o usuário é popular, pelo número de pessoas que o seguem. Mas até que ponto quem segue leva o que ele diz de fato? Até que ponto os donos do serviço não escondem algo do usuário? É um meio de comunicação imprevisível, caótico e violento. Por isso, sujeito à suspeição.

O usuário de Facebook parece ser mais passivo e inclinado ao convencionalismo. Ele tem um só nome, um só endereços e um só rosto. Seu prestígio não se mede pelo número de seguidores como o Twitter. Ele precisa se sentir protegido e não ser contestado. Ali só existe o verbo “curtir”. Não existe o “discordar”. Isso apazigua os ânimos e torna todos falsamente concordes. O Facebook apresenta um processo de afinidades menos eletivas que forçadas. Lembra um ambiente amplo, porém fechado e controlado. Quem está sob seu teto é obrigado a fazer amigos e se relacionar intensamente com os outros, só que mantendo a discórdia fora da conversa. Bloquear pessoas é o mesmo que ofendê-las para sempre. Até os jogos são consensuais, como montar uma fazenda e atirar em pássaros feitos de bits. O usuário do Facebook adora que Zuck e os outros organizem sua linha do tempo, poste fotos e hierarquize sua rede de relacionamentos.

Para resumir, o Facebook é entediante e fechado tal qual colegas em uma escola, ao passo que o Twitter se apresenta difuso e divertido como um espetáculo a céu aberto. Mesmo assim, há em ambas as redes sociais sempre alguém monitorando o que você diz, faz e pensa, em graus diferentes de vigilância. Isso para mim soa como uma terrível restrição à liberdade. Neste momento, estamos sendo conduzidos a optar por um e outro, e escolher entre a cruz e a caldeirinha. Obviamente, você ainda pode fazer parte dos dois ambientes ao mesmo tempo. Mas, na hora em que um conquistar o outro, para onde irá? Sim, é possível sobreviver sem um deles – e, melhor ainda, viver sem nenhum dos dois. Porque daqui a pouco deverá surgir uma invenção muito mais ardilosa que os tornará obsoletos. A outra alternativa, não de todo desprezível, é voltar a ser virgem de internet. Fica a pergunta: existe virgindidade reversível?

A horda dos ciclochatos

Os ciclistas irritam mais na internet do que nas ruas. O que fazer para se livrar deles?

         Sempre gostei de bicicleta, passei minha infância e adolescência em cima de uma, percorrendo longas distâncias e me arriscando. Mas agora eu tenho a impressão de que bandos de usurpadores me roubou o prazer de passear sobre duas rodas. Pior, e isto não é impressão, esses bárbaros que se apresentam como militantes não apenas me impedem de ser ciclista como me ameaçam. Se isso ocorresse só no mundo concreto, já seria horrível. Mas eles vão muito além, e atacam seus alvos pelas redes sociais, blogs e sites. Eles pedalam por todos os mundos possíveis. Os cicloativistas – que prefiro chamar de ciclochatos ou velochatos – tornaram-se uma ameaça à segurança e à dignidade do cidadão.

         São muitos os exemplos da situação extrema em que as pessoas estão medidas por causa das bicicletas. Vou começar pelo mundo propriamente dito, aquele feito de terra, pedra, osso e sangue. No domingo, eu caminhava distraidamente pelo parque Villa-Lobos em São Paulo quando fui atropelado por um ciclista em alta velocidade. Felizmente não me machuquei. Foi só um tombo sem ferimentos. O problema não foi encontrão, e sim o ciclista. O sujeito alto, esbelto de collant amarelo-limão, óculos de surfista e capacete - apetrechos que o faziam lembrar um alienígena recém-descido do futuro - esboçou uma cara de poucos amigos. Ao parar a bicicleta, não me ajudou. Preferiu chamar os colegas para vir em defesa dele. Uma dezena de ETs sobre rodas de ambos os sexos apeou de seus veículos em atitude de desafio. “Você sabia que agora temos o direito de multar o senhor?”, disse aquele que parecia ser o líder da matilha – que, tão logo pulou do selim, diminuiu de tamanho e pareceu mais velho e mais agressivo. “Você quase matou o nosso amigo aqui.” Eu, ainda sentado, caí para trás para dar uma gargalhada. “Era só o que faltava”, berrei. “Vocês me derrubam e eu ainda pago multa?” O sujeito que me atropelou sorriu zombeteiramente e se apresentou como “cicloativista, blogueiro e tuiteiro”, além de garoto-propaganda de uma marca de bike. Enquanto isso, outros cicloativista se juntavam à minha volta, como se formassem um tribunal inquisidor. Assim falou o líder: “O prefeito nos conferiu a autoridade de penalizar monetariamente aqueles que ameaçam a mobilidade urbana. Você feriu a lei.” Retruquei: “Eu não feri. Eu fui ferido, ou quase!” A pequena multidão vaiou-me e, eu ainda estatelado no chão, saiu em alta velocidade como se nada tivesse acontecido. Com isso, quis se mostrar magnânima, porque não me autuou em flagrante.

         Não vou mentir que eu estava com a razão. Na realidade, eu transitava sem saber em local exclusivo de bicicletas. Outro fator incriminatório é que eu andava alegremente ao mesmo tempo que enviava um torpedo pelo smart-phone (o mesmo que havia sofrido bullying tecnológico na semana anterior, lembram?). Então, quando fui colhido pelo ciclista, eu me encontrava a um só tempo em dois mundos: no conectado e no real. O pensamento voava online, mas o corpo desabava offline. O monitor do meu pobre celular sofreu alguns arranhões leves – cicatrizes que me fizeram naquele instante renovar os votos de fidelidade; não vou trocá-lo por outro smart algum do mercado. Depois do acidente, eu já não sabia em que universo andava. Onde eu estava com a cabeça quando aluguei uma bicicleta na entrada do parque? Foi só tentar correr pela pista exclusiva da avenida para ser outra vez abalroado por um novo e ainda mais aguerrido bando de velocistas uniformizados. Enquanto eu olhava perplexo para os agressores, a multidão que se acotovelava sobre duas rodas passava como se nada tivesse acontecido. Nem discuti. Concluí que nunca mais seria a mesma coisa andar de bicicleta. A partir de agora, ou eu faria parte de uma tribo e militaria por ela, ou estaria fora de tudo. Me incluam fora dessa. 

         Essa triste condição se prolonga e ganha dramaticidade pelo universo inextenso da internet. Os ciclochatos invadem sem pena a privacidade alheia: eles fazem a pregação em programa de rádio e televisão, enviam spam às caixas de correio eletrônico, espalham mensagens pelo Twitter e pelos serviços de SMS, postam fotos artísticas no Instagram e no Flickr e anexam qualquer usuário mais distraído aos grupos do Facebook. De repente, sem querer, lá está você agregado ao mundo dos ativistas de dois pedais e um neurônio. Para se livrar deles, seria preciso retirar o nome de todos esses serviços. Impossível. Eles vão pegar você em alguma esquina virtual.

         Por alguns minutos, vamos nos sentar no meio-fio e, enquanto a horda dos cicloativista passa correndo à nossa frente, tentar refletir sobre o que a ela deseja e obtém, e o que de fato provoca. Os ciclistas militantes anseiam  por segurança na cidade com maior número de veículos da América do Sul. Afinal, só em 2011, morreram atropelados 49 ciclistas em São Paulo. Eles também lutam pela garantia do uso de pistas exclusivas para ciclistas nas ruas e avenidas. Por fim, reivindicam e conseguiram o direito de multar motoristas que ameacem a sua segurança (os pedestres ainda não têm os mesmos direitos). Eles se cercam, assim, de um poder inaudito. Podem multar e levar à prisão qualquer motorista, quando não pedestre.

         No entanto, aquilo que parece uma coleção de gestos de cidadania se transformou em aberração. Em primeiro lugar, os ciclochatos não podem ser denominados ciclistas comuns. Isso porque formam torcidas organizadas que, sempre em bandos, zombam dos motoristas e atravessam na frente dos ônibus para desafiar as leis do trânsito e da física. Também trafegam pelas calçadas, ameaçando os pedestres e os ciclistas amadores. Da mesma forma, os velochatos se acham no direito de divulgar suas ideias pela internet. Agora mesmo, na sua caixa de e-mails, você pode encontrar uma daquelas mensagens de “cidadania” e “mobilidade”.

         A bem da verdade, a horda cicloativista lembra menos uma passeata por direitos civis que um exército de kamikazes urbanos, prontos a se sacrificar em nome de uma causa nada clara. São tão irresponsáveis como impotentes. Eles já assinaram o atestado de óbito do movimento pela internet, pois ninguém mais suporta receber nem ler o que eles têm a dizer, ou acham que têm a postar, tuitar, blogar e o diabo a quatro. É tudo tão irritante que cai no dogmatismo, na inconsistência e, mais grave, no mercenarismo – pois muitos deles são patrocinados por empresas. Só falta mesmo eles se arrebentarem nas ruas de verdade. Não vou sentir falta desses fanfarrões em pele de paladinos da cidadania. Sem os ciclochatos por perto, talvez o cidadão comum possa voltar a passear com tranquilidade. Seriam centenas de veículos perigosos a menos circulando pela cidade.

A vez da Maria Caneta

A Flip não reúne apenas autores, como também personagens em busca de autores. É o caso das tietes literárias

            Não tente procurá-las nas redes sociais nem nos blogs. Não conseguiriam sobreviver sem manter a discrição absoluta do mundo offline. Elas como que põem em prática a Oração de São Francisco de Assis: leem mais do que escrevem, ouvem mais do que falam, admiram mais do que são admiradas, dão mais que recebem. Desprovidas de qualquer ambição material, elas só desejam avançar sobre seus ídolos. Como diria Tim Maia, não querem dinheiro, só querem amar. Exemplos de “groupies” literárias abundam em todo canto, de Oxford a Passo Fundo. Não foi uma delas que conseguiu pegar o Machado de Assis? É o que dão a entender as cartas do escritor. Louise Collet venceu as resistências do ermitão Gustave Flaubert, louvando-lhe o estilo. Eu não ficaria surpreso se Beatrice Portinari fosse a real perseguidora de Dante Alighieri ao contrário do que o “altissimo poeta” cantou – e talvez por isso tenha inventado os círculos do Inferno para escapar ao assédio dela. Fãs de escritores que não se contentam em somente admirar o ídolo sempre existiram. Mas só com a Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, elas encontraram seu hábitat e adquiriram uma denominação de origem controlada: Maria Caneta.

            Vou discorrer adiante sobre quem são, em que nuances se dividem, como operam e adquiriram uma personalidade definida. Mas antes um pouco de etimologia pop. Quem disseminou o termo foi meu amigo e colega Rafael de Pino, repórter de Época que vem cobrindo a Flip por longos anos e acabou por se tornar um conhecedor crescencentemente preciosista dessas figuras típicas da paisagem do Norte fluminense  - como, de resto, típicas da geografia humana. A expressão provém de antigos apelidos derrisórios e machistas, como “Maria Gasolina”, que designa a jovem interessada em namorar proprietários de carros novos, e “Maria Chuteira”, a mulher que namora jogadores de futebol. A vantagem da expressão “Maria Caneta” é que ela não é pejorativa. Daí a inovação, pois se trata quase de um título nobiliárquico. Marias Canetas se orgulham de ser chamadas assim. Até porque agora elas já têm uma história para narrar, ainda que oralmente.

            O fato de elas namorarem escritores demonstra serem mais evoluídas que suas contrapartes populares. Ao contrário das Chuteiras e Gasolinas, as Marias Canetas colam em homens de gostos refinados que praticam a literatura, contam piadas inteligentes e se mostram liberais em seus hábitos amorosos. Desde que o escritor angolano José Eduardo Agualusa surgiu em Paraty, em 2003, distribuindo charme e interesse pelo sexo oposto, a Maria Caneta aumentou sua autoestima, descobriu seu potencial e se consolidou na paisagem lítero-turística da região. Hoje Agualusa atraca seu barco-casa no cais do porto, provocando um alvoroço que só fez crescer nos últimos anos. Ele inspirou a aparição de rivais. Foram aportando mais autores quase tão bons na pena quanto na exibição de suas graças físicas: o carioca João Paulo Cuenca, o português José Luiz Peixoto, o portenho Alan Pauls, o mexicano Guillermo Arriaga – e, claro, Chico Buarque de Holanda, que, sempre que vai à festa, desencadeia notáveis arranca-rabos entre suas seguidoras.

            O aspirante a galã da presente edição é o jovem chileno Alejandro Zambra, cuja novela, Bonsai (CosacNaify), conta as travessuras de um amor que se desdobra entre livros e perversões bel-letrísticas – tudo rapidinho e sem complicações. Dessa forma, Bonsai passou a ser o guia de bolso das pegadoras cultas e Zambra, o autor-alvo. Mas não é preciso ser belo nem moço para conquistar o coração de uma admiradora: basta ser famoso e ter feito “o” romance de sua geração, mesmo que de uma geração remota. Se você é um desses, então vá a Paraty. Espere alguns minutos e você verá chover caneta.   

            Ora, e por que não há o Mário Caneta? Talvez por causa da escassez de oferta de autoras. Geralmente as intelectuais publicadas que dão as caras nos eventos literários são casadas e vêm acompanhadas dos parceiros, costumam ter filhos e ostentar uma faixa etária elevada demais para despertar paixões nos marmanjos. Literatura parece ter se tornado uma brincadeira dos rapazes. Com a rica plumagem de seus textos, eles se exibem para as leitoras de 10 a 100 anos.

             É difícill generalizar e atribuir uma identidade única entre as Marias Canetas.  Elas são diferentes entre si e fazem questão de manter a diferença – e talvez aí resida seu ponto em comum. Querem ser originais, únicas e indecifráveis. As Marias Canetas são personagens em busca de um autor que as explique ao mundo e a elas próprias. Anseiam, no fundo, virar personagens de um grande romance geracional. Muitas se contentariam em aparecer em um conto ou mesmo um poema qualquer. Logo que elas se sentam na tenda dos autores para ouvir a primeira leitura de um autor que adoram, tentam se controlar. Aos poucos, porém, vão revelando seu desejo. Elas agem como  musas que ainda não encontraram um inspirador.

            À medida que sua frustração cresce, tornam-se mais raivosas e inescrupulosas. Por isso, ao longo dos anos, elas desenvolveram técnicas de abordagem e sobrevivência na selva das letras. A primeira providência que tomam é ficar de tocaia diante do computador, à espera do momento em que os ingressos para as mesas são vendidos. Para economizar, não vão em todos painéis. Privilegiam os de seus prováveis príncipes-encantados. Com o ingresso na mão, tratam de reservar pousadas, enquanto decoram a programação oficial e não oficial. Durante o evento, fazem fila para o autógrafo antes mesmo de o autor terminar sua fala. Para que ouvi-lo, se elas já conhecem tudo dele de cor? Acontece o primeiro contato com o escritor, palavras trocadas e o autógrafo com dedicatória no livro. Na fila mesmo, elas se informam sobre os encontros privados, almoços, turnês pelos alambiques e principalmente sobre as festas que as editoras e a organização estão promovendo, e dão um jeito de se introduzir nelas, com uma roupa e uma maquiagem deslumbrantes. Passam a abordar os assistentes dos assistentes do editor do autor, para ir vencendo etapas até chegar ao objeto de sua busca. Nessas festas, comportam-se de modo mais saliente e disponível, entre goles, risadas e passos de dança, atraindo para si a atenção de escritores e aspirantes, bem como aspirantes a aspirantes. Não raro, estes últimos é que acabam levando-as para a cama. Mas as Marias Canetas não são facilmente impressionáveis. Exigentes, quando despertam da bebedeira, elas não disfarçam a repulsa de estar ao lado de um sub do sub do sub da literatura, e logo enxotam o sujeito para sempre. A única vantagem foi ter se informado do passeio de barco do autor dos sonhos. Zarpam, então, rumo ao mar, às praias e às abordagens mais atrevidas nas caminhadas trôpegas pela rua do Comércio.

            Marias Canetas são predadoras. Mas será que elas conseguem cumprir seu intento? Devido à concorrência, são poucas as que arrebatam um autor de primeiro nível. A maioria se contenta com o apresentador da mesa, os secretários dos autores, ou então assessores de imprensa ou de internet. Ambicionam em um dia chegar ao objetivo. Obviamente, quase todas veem seus sonhos destroçados ao final de todos as mesas e todas as noitadas. Derrotadas ou vitoriosas, todas disfarçam bem. As que conseguem não contam vantagem às rivais. Nos eventos literários, a solidariedade feminina é abolida. Resta o ano que vem.

            A Maria Caneta arfa por eternizar na escrita de um nome festejado – de preferência, na condição de heroína turbulenta, uma Bovary 4.0. E é curioso que, apesar dos avanços, ainda não tenha aparecido nenhuma obra literária sobre ela, nem sequer como vilã ou coadjuvante. Os autores parecem se interessar por outro tipo de personagem, mais complexo, articulado e brilhante: eles próprios. Ser Maria Caneta não é fácil. Talvez lhe esteja faltando a sensibilidade para perceber que o sujeito que espera o autógrafo na fila à sua frente seja finalmente o homem de sua vida. Na ânsia de atingir a alma de um escritor de fama, ela não se dá conta de que esse cara irá se tornar um escritor célebre em breve. Foi o que aconteceu anos atrás com um pacato e desconhecido participante de uma mesa tediosa sobre literatura fantástica oriental. Falando baixo e sempre sério, ele passou incólume pelas Marias Canetas. Era o turco Orhan Pahmuk, que em seguida ganharia o prêmio Nobel de Literatura. Maria Caneta só terá vez quando instalar antenas mais aguçadas Por enquanto, apesar de suas segundas intenções, ela dá com os burros n’água.

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segunda-feira, 9 de julho de 2012

Twitter ou Facebook: de que lado você está?

Com a polarização das redes sociais, é preciso optar entre um e outro... ou não

 

            A batalha final entre as redes sociais se aproxima feito epílogo de uma franquia de cinema. As redes mais fracas  foram eliminados em escaramuças ocorridas nos últimos dois anos. Orkut, LinkedIn, MySpace, Google+ e outras perderam seus membros e, por conseguinte, a guerra. Na Internet, briga-se não por territórios, mas por exércitos, porque eles constituem a maior riqueza. Exércitos que lutam entre si por mais e mais tropas: talvez os conflitos do passado não tenham sido nada além que isto, a sanha de dominar pessoas. Só que agora tudo acontece no campo aparentemente etéreo da guerra mundial virtual. Nesta altura da saga das redes, os vencedores são o Facebook e o Twitter. O serviço de rede social de Mark Zuckerberg disputa com o microblog de Jack Dorsey a hegemonia de nossas mentes e almas. Tornou-se quase uma guerra de trincheiras. De que lado você está?

            A pergunta pode parecer ociosa se consideramos que muitos usuários de uma rede fazem parte da outra. No entanto, observo que uma parcela significativa da turma que usa tanto Twitter como Facebook prefere um serviço ao outro. Existe uma divisão mental e de tipo de usuário. Na verdade, são duas tribos bem distintas, que possuem características e visões de mundo que vou tentar descrever e analisar mais adiante. Antes, vou abordar a história e o estatuto dos dois serviços e identificar seus detratores.

            Já disseram que nunca se sabe aonde vai dar uma invenção, porque ela depende do uso que as pessoas fazem dela. Ninguém imaginaria, oito anos atrás, que um site criado para juntar estudantes da universidade Harvard, como o Facebook, chegaria aos atuais 9000 milhões de usuários e revelaria às pessoas a dimensão e a qualidade de seus relacionamentos. Ou que um microblog de San Francisco que não se levava a sério em 2006, a começar pelo nome – na definição do cofundador Jack Dorsey, Twitter significa a um só tempo gorjeio de pássaro e “uma manifestação breve de informação inconsequente” -  atingiria 500 milhões de membros, entre eles muitos cidadãos inteligentes capazes de expressar visões de mundo e sistemas filosóficos inteiros nos limites dos 140 caracteres impostos por seus donos. Cada um a sua maneira, Facebook e Twitter colaboraram para alterar a história e a forma como lidamos com outras pessoas e com a própria realidade. Por meio deles, surgiram movimentos sociais, rebeliões e focos de resistência democrática, bem como atentados terroristas.

            Mas há quem reduza a função política dos dois. O escritor americano Jonathan Franzen me disse em entrevista que duvida que o Twitter foi um fator determinante nos protestos do Irã e do Egito. “O papel das redes sociais em atuar efetivamente no mundo concreto está sendo superestimado”, disse Franzen. “A solução dos problemas das pessoas não está no mundo digital, mas no mundo concreto.” Franzen me disse que jamais irá entrar no Facebook e no Twitter.

            Entendo o virgem de internet. É aquele sujeito que acredita que pode manter a reputação simplesmente por se recusar a participar do lindo mundo novo das redes sociais. Eu próprio escrevi tempos atrás uma refutação ao Facebook, e anunciei que ia sair do serviço de Zuck, mas acabei desistindo por pressão social. Familia e amigos me forçaram a me emaranhar de novo na teia e, pior que isso, a interagir virtualmente com eles. E acabei imitando o virgem de 40 anos daquela comédia com o Steve Carell: quando, virgem de 50 anos, caí em tentação, e me lambuzei como nunca. Fui incapaz de manter meu voto de castidade digital, e admiro quem consiga. Quando intelectuais como Jonathan Franzen - e Eugenio Bucci, em artigo recente para a Época -  juram que são felizes na condição de dinossauros tecnológicos, sinto-me um rematado pecador. Mas acho que eles mantêm o celibato digital mais como estratégia de militância filosófica do que por uma fé inabalável em que o ser humano possa se purificar longe dos tentáculos da aranha digital. De minha parte, não tenho vocação sacerdotal. Sou curioso demais para manter a reputação ilibada. Como disse o polemista austríaco Karl Kraus: “Conhecer o Diabo sem assar no inferno é algo que conviria a muita gente”. Prefiro queimar no inferno a posar de falso moralista.

            E já que me encontro no inferno, vou tentar resistir por estes círculos mesmo, sem perder a argúcia. Uso os dois serviços, mas prefiro o Twitter, por inclinação. Vou raramente ao Facebook, até porque não gosto de fuçar detalhes das vidas alheias e muito menos ainda que investiguem a minha. Eu acho que aí reside a diferença essencial entre quem usa mais  o Twitter do que o Facebook: o Twitter é fundamentalmente aberto e público, ao passo que o Facebook oferece ao participante um ambiente supostamente privado. Supostamente porque sabemos que Zuck libera os dados dos usuários a empresas que queiram pagar para utilizá-los para vender seus produtos e serviços. Segundo o militante digital Eli Pariser (no livro O filtro invisível – o que a internet está escondendo de você, Zahar, 252 páginas, R$ 41,75), o Facebook filtra a informação e usa um algoritmo que esconde a maior parte dos seus amigos, destacando aqueles com quem você mais interage. Com isso, o Facebook tribaliza os usuários, tornando sua comunidade um grupo ordenado de pessoas que pensam, se comunicam e têm gosto idênticos entre si.  Mesmo assim, ainda acredito que é possível manter a mesmo tempo a privacidade e o perfil no Facebook – bastando para isso ser seletivo e alterar as configurações de privacidade do site. Segundo Pariser, o Twitter é um veículo mais livre e transparente, porque sua regulamentação é tênue e seu algoritmo, totalmente inclusivo.

            De alguma forma, o Twitter se parece com os meios tradicionais de comunicação, pois permite que se propaguem informações sem restrições de comunidade. Daí, talvez, os profissionais de comunicação gostarem mais dele do que do Facebook. O usuário pode seguir uma celebridade –e  ser seguido por ela – sem filtros. Você pode dar um furo de notícia e se tornar importante da noite para o dia. E também tem a opção de configurar o Twitter para que ele sirva como uma rede superexclusiva, ou então se valer de um pseudônimo para se expressar livremente, sem as amarras de sua condição social e profissional. Eu, por exemplo, tenho duas contas de Twitter, uma aberta e pública, e outra fechada, só para a família. Como interagir com parentes não se parece nem de longe com diversão, minha conta superprivada é quase inoperante. Por curiosidade, a conta fechada é, entre as duas, a que mais recebe solicitações de ingresso. O Twitter se afigura (e se configura) mais ágil que o Facebook e, ainda que não traga aplicativos e páginas atraentes como os do Facebook, permite comunicação com interlocutores específicos e divulgação de fotos instantâneas.

            Por tudo isso, o Twitter aparentemente combina mais com pessoas mais despreocupadas e capazes de agir em público com desenvoltura. Quem usa o Twitter corre risco. Parece andar em uma praça, sujeita às intempéries, ao acaso e ao contato das multidões. Faz e recebe críticas, ataca e é atacado. Quando alguém namora pelo Twitter, o faz à vista da massa incógnita – mas não está nem aí para isso. A presumível livre expressão do pensamento faz parte do mecanismo do gorjeio quase infinito, que se dissemina através da retuitagem. Ele fornece a ilusão de que o usuário é popular, pelo numero de pessoas que o seguem. Mas até que ponto quem segue leva o que ele diz de fato? Até que ponto os donos do serviço não escondem algo do usuário? É um meio de comunicação imprevisível, caótico e violento. Por isso, sujeito à suspeição.

            O usuário de Facebook parece ser mais passivo e inclinado ao convencionalismo. Ele tem um só nome, um só endereços e um só rosto. Seu prestígio não se mede pelo número de seguidores como o Twitter. Ele precisa se sentir protegido e não ser contestado. Ali só existe o verbo “curtir”. Não existe o “discordar”. Isso apazigua os ânimos e torna todos falsamente concordes. O Facebook apresenta um processo de afinidades menos eletivas que forçadas. Lembra um ambiente amplo, porém fechado e controlado. Quem está sob seu teto é obrigado a fazer amigos e se relacionar intensamente com os outros, só que mantendo a discórdia fora da conversa. Bloquear pessoas é o mesmo que ofendê-las para sempre. Até os jogos são consensuais, como montar uma fazenda e atirar em pássaros feitos de bits. O usuário do Facebook adora que Zuck e os outros organizem sua linha do tempo, poste fotos e hierarquize sua rede de relacionamentos.

            Para resumir, o Facebook é entediante e fechado tal qual colegas em uma escola, ao passo que o Twitter se apresenta difuso e divertido como um espetáculo a céu aberto. Mesmo assim, há em ambas as redes sociais sempre alguém monitorando o que você diz, faz e pensa, em graus diferentes de vigilância. Isso para mim soa como uma terrível restrição à liberdade. Neste momento, estamos sendo conduzidos a optar por um e outro, e escolher entre a cruz e a caldeirinha. Obviamente, você ainda pode fazer parte dos dois ambientes ao mesmo tempo. Mas, na hora em que um conquistar o outro, para onde irá? Sim, é possível sobreviver sem um deles – e, melhor ainda, viver sem nenhum dos dois.  Porque daqui a pouco deverá surgir uma invenção muito mais ardilosa que os tornará obsoletos. A outra alternativa, não de todo desprezível, é voltar a ser virgem de internet.

 


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