segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Chavões urbanos

Numa cidade em que tudo se descarta, os chavões têm uma capacidade incrível de se renovar, mais que os neologismos. Quem disse que os chavões hoje se repetem ad nauseam? Nada disso! Agora, pelo menos nas ruas de SP, eles se proliferam e inovam. Assim como o novo 40 é o 38 (diz a turma fashion) e o novo homem de 50 anos é o de 70 (é o que sonham os exterminadores da CLT), o novo neologismo é o chavão.
Quando me deparo, pelo reflexo da vitrina, tentando me equilibrar entre rua e calçada, percebo que tenho o futuro brilhante pelas costas como inventor de palavras. O otário de hoje é o gênio de anteontem. Nada vai acontecer além da sucessão de listras brancas e vazios cinzentos. Título: “Vencido pelos chavões”. Corro deles, tropeço neles. Os chavões, sim, têm um belo amanhã porque eu e a torcida do Corínthians – além das outras – demoramos cada vez mais para notar a existência deles.
Os chavões são invasores de almas. Enquanto o dicionário repousa na prateleira ou ocioso na internet, os lugares-comuns nos assaltam e, de repente, estamos falando o que eles querem. Pelas ruas a gente ouve os chavões nascendo como bebês chorões.
Exemplo é a palavra "apagão". Ela virou chavão sem que a gente notasse. No ano 2000, era um neologismo para designar o black-out da energia elétrica. Agora tudo é "apagão": apagão aéreo, apagão terrestre, apagão legislativo e agora apareceu o apagão moral. “O apagão moral do governo...” é o que mais escuto no metrô. Seria melhor ter um apagão da memória da palavra apagão. Apagão vocabular.
Há palavras que dominam. E assim foi tempos atrás com “exercício da cidadania”, “tsunami”, a expressão "a nível de" (que se converteu no novinho em folha "em nível de"). Hoje, a reinação é a da “governança corporativa”, a “bolha no mercado”... Horrível ainda é o “onguês”, que esbanja “sustentabilidade” e – argh! –os “agentes culturais”. Outro chavão é “aquecimento global”, que virou pretexto até para faltar no emprego. “Alô! Avisa o chefe que não vou por causa do aquecimento global”. Ou: “Voltei mais cedo da praia. Não suportamos o aquecimento global.” “Minha sogra morreu. Aquecimento global!” E o que dizer da mania do gerundismo-telemarketing, do tipo "vou estar falando hoje sobre tsunami"?
Pior de tudo é o chavão de caçar chavões onde não se é chamado. O chavão é insidioso como uma inflamação. É uma dengue do léxico urbano. É o câncer da alma - e, pelo jeito, incurável.