quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Evitemos uns aos outros...

Uma hábito paulistano é praticar uma versão light do pânico social. Trata-se do pânico do outro, a mania que muitas pessoas têm de fazer tudo para evitar se encontrar por acaso com um conhecido, especialmente se faz muito tempo.
Percebi isso no sábado, quando estava numa locadora de DVD (hábito tradicional que tende a desaparecer) e divisei minha velha colega de redação no caixa, pronta para sair. Nossa, fazia uns 15 anos que não via Alice (nome fictício), e, como era uma boa colega, senti vontade de ir lhe dar um abraço e perguntar como estava. Quando fiz menção disso, ela me enxergou com o canto do olhar e deu um jeito de escapar, saindo rapidamente do recinto. Não me lembro de ter tido qualquer problema com ela. Inimigos costumam não se olhar, quando não brigar no instante em que se veem. Um dia eu perdi uma amiga quando ela me ligou, fiquei de retonar dali a 15 minutos – e só me lembrei do telefonema seis meses depois! Adivinhe se hoje eu tenho cara de falar com ela hoje?
Não era o caso de Alice. Nunca discutimos nem, a simpatia era mútua, sempre fomos companheiros de redação. Mas ela ficou com vergonha de me encontrar. Depois desses anos todos, o que dizer e como se comportar? A gente muda, fica mais velha, pode até ficar irreconhecível para os outros. Rola a saia-justa da passagem do tempo.
Ora, entendo Alice. Até porque já fiz dessas. Há não muito tempo, entrei num restaurante e, ao perceber um antigo colega, recuei para não atrapalhar a refeição dele, nem a minha, com conversas tão amenas e como constrangedoras. E não que eu não quisesse encontrá-lo. Era uma questão de timidez associada à falta de assunto e à vergonha de estar diferente em relação ao tempo em que tínhamos uma convivência diária. Algo se perde quando deixamos de bater papo com as pessoas. Perde-se o contato, e a amizade leve se torna mero embaraço. .
Por que a cena se repete tanto nesta cidade? Penso que o fenômeno se deve ao isolamento das pesssoas em seu ambiente de trabalho. Infelizmente, é no trabalho que tudo acontece, de amizades a tremendos arranca-rabos. A fixação no trabaho faz com que a maioria se aliene dos outros, perca os rastros e adquira um medo ancestral de lidar com o passado, suas velhas relações e, portanto, de lidar consigo mesmo. À medida que amadurecemos, vamos perdendo os amigos pelo caminho e deixamos de manter contato, salvo por meio dos sites de relacionamentos, que pasteurizaram a sensação de perda e venceram o bloqueio dos reencontros. Quem sabe num deles eu reencontre Alice e tente conversar. Em carne e osso é mais difícil.

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