quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Avatares no Jardim da Luz

Uma tarde dessas eu passeava pelo Jardim da Luz quando percebi um casal jovem andando de mãos dadas a alguns metros diante de mim, perto do lago. Como sou um incorrigível bisbilhoteiro, prestei atenção no que falavam. Eles trocavam beijos e carinhos e pareciam no início do namoro. A certa altura, escutei ele sussurrar no ouvido da mocinha: "Mal posso esperar para ver como você é online..."
Em que mundo estou vivendo? - pensei com os meus cadarços desamarrados. Quer dizer que o moleque está com a namorada pertinho, mas ele só pensa na aparência dela na internet - no orkut, no messenger ou mesmo no Second Life!?
Enfiei o boné até o os olhos, ultrapassei os casal e segui caminho, pensando no caso. Nestes novos tempos de desejos tecnológicos, o mundo virtual parece ter assumido o aspecto de realidade mais real que a real. Lembrei que ele disse: “ver como você é” e não “como você aparenta”. A vida online é reveladora. Ela desmascara a pessoa offline. Melhor dizendo: a existência via computadores em rede se encontra em um nível superior ao cotidiano de carne e osso. Ela explica, abarca e se torna a verdadeira essência das coisas e dos seres. É como se abolisse a realidade, e os objetos concretos não passassem de mera aparência de um universo acima deles.
Imagino que o casal tenha marcado encontro na Luz do Second Life – e que lá deram um jeito de fazer amor dentro da gruta virtual. Cada um num canto da cidade de aparência (para mim a real), clicando ou apertando obsessivamente o “enter” do computador, para assim atingirem o superorgasmo do casal na tela, bem mais completo que o deste mundo físico de tão poucas variantes e de perfumes, identidades e rostos previsíveis. Online, ligados, os dois assumem seus avatares: ele é um guerreiro ninja; ela, uma princesa com os contornos sensuais de Lara Croft. O prazer da gruta virtual é essencial, ao passo que o prazer possível no mundo da presença física não passa de uma cópia imperfeita. Eis a moça brilhando no monitor, despida de toda as condicionantes humanas. Ei-la online, deslumbrande em sua nudez de fóton, pronta para se entregar ao amado do modo mais profundo e conseqüente, via internet.
Ainda não andei pela SP do Second Life (prometo que entro lá em breve), mas esse ultra-universo me parece uma versão inovadora da caverna de Platão. O filósofo preconizava a superioridade do plano da essência sobre o da aparência. E, nesse ponto, o amor do rapaz na Luz soa platônico: realiza-se apenas quando ele se eleva à essência do que ele imagina ser: o avatar. E seu objeto de desejo, a moça, só pode ganhar vida no ambiente digital.
Esse mundinho novo sem porteira dos avatares não serve para mim, não. Ainda prefiro a imperfeição, o perfume e a sedução da natureza.

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