segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Solidão embutida

Tenho visto nos trens e ônibus pessoas que conseguem usar o tempo para ouvir música. Antigamente era difícil topar com alguém de pé, absorto em uma música. Tudo ficou mais fácil.com a popularização dos tocadores de mp3. Agora você pode embarcar num ônibus da periferia e deparar com pelo menos cinco pessoas silenciosas, com o olhar oco, prestando atenção nas suas canções favoritas. Isso não acontecia aqui cinco anos atrás, e eu já havia notado o fenômeno do mp3 no metrô de Nova York e nos ônibus londrinos. A sensação inicial foi de estranhamento.
As tecnologias mudam os hábitos. Mesmo com todas as vantagens, os tocadores digitais criaram a mais terrível forma de isolamento urbano: ouvir música em volume alto sem que os outros notem ou se irritem. Eu me pergunto se essa mudança é positiva. A música educa e altera a sensibilidade. Mas os tocadores de mp3 estão gerando novas espécies de zumbis urbanos. As pessoas embutiram a solidão e agora dialogam menos. Ouvir música sem prestar atenção nos barulhos em torno é a forma mais triste de andar sozinho, de evitar contato.
Para demonstrar minha tese, fiz um teste e percorri o mesmo trecho – cerca de 200 metros, atravessando o Terminal Parque Dom Pedro II - várias vezes, nos horários de maior movimento. Em cada uma, toquei um estilo de música. Escutei o som dançante de Rihanna e tudo me pareceu eufórico, mesmo quando notei que um sujeito me seguia. Curti as canções melosas de James Blunt e quase dormi enquanto a multidão me dava encontrões. Ouvi o Acústico MTV de Paulinho da Viola e me deu pena da miséria. Prestei atenção na monumental Sinfonia nº 6 de Anton Bruckner, e as pessoas pegando ônibus me lembraram a mecanização do filme Metrópolis, de Fritz Lang, mas elas estavam marchando em protesto..
Nessas quatro andadas no mesmo trecho, sob condições parecidas, o passeio ganhou ares de variedade. Foram pelo menos quatro significados para o mesmo evento: festa, meditação, crítica social e saga épica. Isso quer dizer que a solidão sonora injetou no meu cérebro várias realidades virtuais a partir do mesmo ambiente real. O mp3 player separou o mundo concreto do universo dos signos, aquilo que eu via do que eu imaginava. E juntou elementos distintos de forma inaudita. Isolado em minhas preferências no meio da multidão, eu me senti delirando, num curto-circuito existencial. Resolvi deixar o aparelhinho em casa. Vou voltar aos de barulhos do mundo.

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