quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Quando Soriano abraçou Waldick

Esta história se passou no tempo em que o diretor deste jornal, Ricardo Anderaos, ainda era chefe de reportagem da Ilustrada. Deu-se no final de 1990, em Belém do Pará. Anderaos enviou este repórter ao Pará para uma missão curiosa: descobrir o local de origem da lambada. O ritmo fazia barulho, e só se falava nos pares sensuass ao som de Beto Barbosa (lembram?).
A investigação foi fácil. Na primeira noite eu já descobria que o ritmo vinha do Caribe. A dança, influenciada pelo lundum marajoara, era praticada nos bregas de Belém - as casas noturnas frequentadas por “gente bem” e por prostitutas. Assim, “brega” virou sinônimo de música tocada nos “bregas”. Era a canção popular romântica antes depreciada como “cafona”. O berço da lambada era o borde.l.
Casimiro, o assessor da gravadora que gravava lambada e brega, tratou de me ciceronear. Em poucas horas a pesquisa se esgotou e eu já não tinha o que fazer. Tinha de ir embora. “Não, de jeito nenhum”, disse. “Temos um pagode no sábado!” Era a festa de aniversário de um empresário local, cujo apelido era Soriano Waldick. “Ele se chama Antônio, acho”, explicou Casimiro. “Mas é o fã número 1 do Waldick Soriano – e, com o tempo, virou sósia e homônimo do Waldick.” Melhor de tudo: Soriano Waldick havia convidado Waldick Soriano para a ocasião, a se realizar numa fazenda nos arredores da cidade. “Você vai adorar a maniçoba que o Soriano vai servir na beira do igarapé!”
Claro que alterei a passagem. No sábado, lá estava eu no carro, batendo papo com o deus do brega: figura incrível, de óculos enormes e chapéu panamá. Na meia hora que durou a viagem até a fazenda, ele me contou sua vida, a infância dura na Bahia e as conquistas amorosas no Programa Sílvio Santos. E o melhor estava por vir.
Ao chegamos à sede da fazenda, deparamos com um homem sorridente e de braços abertos. Tratava-se de uma versão miniaturizada de Waldick, inclusive com o chapéu e os óculos idênticos aos do cantor. Fã e ídolo se abraçaram como irmãos, pois o Waldick já conhecia Soriano.
A tarde foi deliciosa. Não importava o calor tremendo ou as moscas que vinham beliscar a maniçoba. Naquele tempo não havia videokê. No fim da comilança, Soriano levou Waldick para um coreto à beira do rio – e ali, acompanhado de um regional, ele soltou a voz de barítono e desfilou seus sucessos: “Eu não sou cachorro não” , “Tu és meu mundo”, “Tortura de amor”. Que bela voz – e que sinceridade na interpretação! Chamado ao coreto, Soriano Waldick chorou... Não sei se está vivo. Mas tenho a impressão que ele e o ídolo formaram um dueto à beira de um igarapé no céu.

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