quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Existe o paulistanês?

Gosto de ouvir o jeito de falar das pessoas. Toda comunidade, classe ou tribo tem por aqui seu vocabulário, gíria e entonação. E cada falar, sua identidade. Escutar a voz das ruas é uma aula de como se alteram e morrem os sotaques e as gírias. Um rap da periferia pode abrir um mundo de surpresas ao ouvinte – desde que, para isso, a gente se desarme.
Por isso, fico chateado com esses programas de rádio que zombam da fala “dos manos” (legenda: negros pobres de Heliópolis e Capão Redondo), do vocabulário de faxineiras e trabalhadores. Esse tipo de piada com a linguagem dos outros é puro preconceito social e de cor.
Lembro que nos anos 70 no rádio paulistano um programa cômico, Rádio Camanducaia, que fazia algo parecido, mas em incorrer em tanto rancor social. Havia o italiano que torcia pelo Palmeiras, morador de alguma “calábria” da Zona Oeste; o Lorde, o torcedor do São Paulo que, toda vez que o time perdia, ordenava ao mordomo: “Archibald, meus sais!” O bebum que amava o Corinthians: “Nega, traz ampola que o Curingão vai arrasar!”. Era uma aquarela de tipos, com seus acentos folclóricos.
Uma pergunta sempre me volta: será que, para além dos estereótipos, existe o paulistanês? Vamos pensar. Esta megalópole foi marcada pelo choque de línguas, gírias e sotaques. Isso faz parte de seu DNA. Um dialeto unificador parece improvável.
O Juó Bananére deu a entender que existe, quando inaugurou esse gênero de humor paulistano nos anos 10 e 20. Escrevia crônicas macarrônicas que reuniu no livro La Divina Increnca (1924). Oswald de Andrade apelidou a Paulicéia imigrante dos anos 1920 de “babélica”, com suas multidões de italianos tentando se adaptar à fala e à cultura locais. Restou desse tempo o dialeto da Moóca, cujos habitantes ainda conversam como se cantassem “O Sole Mio” e dizem coisas impagáveis com vogais anasaladas e erres puxados, do tipo: “Belo, num acredito: saí do Juventus, parei no istacionamento da Dicunto e tá tudo rreformado!” Este “moquês” se tornou o símbolo da fala paulistana. O supra-sumo do paulistanês era o sotaque napolitano, até porque os italianos formaram a maior comunidade imigrante.
No passado foi mais fácil reconhecer e analisar o paulistanês. Hoje, a fala italianada está desaparecendo. E surgem muitos novos paulistaneses: o dos meninos de classe alta, dos jovens pobres, dos universitários e tantos outros. Há quase tantos modos de falar na cidade quantos o número de bairros. É uma variedade lingüística talvez só encontrada nas maiores metrópoles. Mas, diferentemente de outras metrópoles, os idiomas aqui passam por uma centrífuga para, no fim, enriquecer o português brasileiro. Em São Paulo, nasce uma língua por minuto.

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