sexta-feira, 23 de março de 2012

Ciclo de vingança

Ciclo de vingança

 

Remonta ao tempo do Onça o hábito de a torcida vaiar e agredir jogadores e técnicos de futebol.  Começou com a primeira derrota, o frango primordial. O Onça foi esquecido, embora a prática bárbara continue popular. Os tempos mudam uma hora destas. E mudaram para o Gilmar.

Ele é chefe de uma torcida de um tradicional clube de futebol da capital. Pode ser chamado de fanático. Seu lado positivo é organizar excursões quando o time joga fora, conferir os treinos, pintar faixas. Sabe conciliar as atividades com a de caixa de banco. O lado negativo está em não suportar quando o time perde uma partida. Toda vez que isso acontece,  chama seu bando de choque e dá um jeito de espezinhar ou agredir a equipe.

Um dia Gilmar combinou com a torcida de jogar moedas no campo na direção de Uonderson, o atacante que idolatrava. Como Uonderson recebeu uma proposta melhor de um clube estrangeiro, tudo mudou. De herói, passou a saco-de-pancada.

No jogo seguinte, Gilmar esperou Uonderson se aproximar da lateral para puxar o coro: ”Mercenário! Mercenário”. Enquanto isso, uma chuva de moedas atingia o atleta. Não foi o bastante, Gilmar e gangue esperaram o jogador à saída do vestiário. Em formação de correcor polonês, desferiram-lhe uma saraivada de cascudos. O jogador foi para casa humilhado no seu carrão importado. No ônibus, a turma de Gilmar só ria.

Uonderson planejou sua revanche. E como vingança é um prato frio, demorou semanas para se realizar. Na manhã do dia 5 do mês de dezembro, Gilmar pegou no serviço. De paletó e gravata, sentou-se ao caixa para iniciar um expediente cheio, pois era dia de pagamento. As portas se abriram. Um grupo de rapazes fez fila diante dele. Eram un 20 atletas de seu time, ecabeçados por Uonderson. “E aí, vai demorar pra atender?”, gritou o craque. “Calma, amigos, vou atender a todos!”, replicou o bancário, pasmo. “Mano, cê tá demorando”, falou alguém de trás da fila. Outro ofendeu: “Você não vale nada!” Gilmar não teve tempo de pensar, nem o segurança de intervir. O bando avançou, deu-lhe cascudos e o arremessou para o alto, gritando: “Mercenário! Mercenário!” Uonderson mandou colocarem Gilmar de volta à cadeira, e proclamou. “É para você aprender como a gente se sente quando a torcida nos agride. A gente é tão profissional quanto você. Dói, né?” No fim, o time à paisana lançou sobre o subgerente um tornado de notas de um real, e se retirou às gargalhadas. Gilmar quis morrer, mas engoliu em seco e atendeu o primeiro cliente. 

Será que aprendeu a lição? Quase. Agora mesmo ele está lá no centro de treinamento do clube, todo feliz, jogando pipoca nos jogadores... 

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