sábado, 17 de março de 2012

Alberto Giacometti, o escultor de sombras

Chega ao Brasil a obra do artista que destruiu a maior parte de suas peças - e fez a fama com as que sobraram
 
            O artista suíço Alberto Giacometti (1901-1966) ficou famoso pelas esculturas desproporcionais, seres humanos minúsculos ou tão finos e altos que parecem se desfazer no tempo e espaço como vislumbres ou vagas lembranças. Ele produziu centenas de obras que se tornaram modelos para a arte e a forma de ver do nosso tempo. Ainda assim, destruiu milhares delas que às vezes considerava melhores do que as versões acabadas – embora não definitivas. “Ao fazer uma coisa muito rapidamente e ela ficar boa, eu acabo desconfiando da própria velocidade”, disse em 1964 entrevista ao crítico londrino David Sylvester, transcrita em seu livro Um olhar sobre Giacometti (CosacNaify, 272 páginas, R$ 46,00). “Vou querer começar de novo para ver se vou me sair bem uma segunda vez. Na segunda vez nunca fica tão bom, a peça começa a degringolar. Assim, a original é a melhor.” Nessa altura, a peça original já estava reduzida a barro. Sylvester apelidou Giacometti, de quem se tornou amigo, de “um cego na escuridão”, um artista solitário que se recusou a aderir a escolas de vanguarda e destruiu suas criações em nome de um ideal que jamais alcançou.

            A maior amostra dessa “desobra” será exibida pela primeira vez na América do Sul na retrospectiva Alberto Giacometti: Coleção da Fondation Alberto e Annette Giacometti, Paris. A exposição começa nesta semana e fica em cartaz até 17 de junho na Pinacoteca do Estado de São Paulo, para depois seguir para o Rio de Janeiro e Buenos Aires. São 280 itens. O centro da mostra está nas 80 esculturas de materiais e tamanhos diversos, de miniaturas a gigantes. Elas são acompanhadas de trabalhos em outros suportes que ajudam a explicar o trabalho de Giacometti, como 40 pinturas e 80 esboços sobre papel, além de fotografias, ilustrações de livros e objetos decorativos, como vasos e luminárias.

            A historiadora da arte francesa Véronique Wiesinger, curadora e diretora da fundação do artista, afirma que a obra de Giacometti é mais difícil de ser racionalizada do que percebida pelos sentidos. Ela organizou a retrospectiva em ordem cronológica e temática, convidando o visitante a um passeio metafísico. “Quero mostrar que Giacometti foi tanto um artista completo como um pensador da arte”, diz. “Ele lidou com problemas como o de representar a natureza e lidar com o espaço e o ponto de vista. Mas, acima de tudo, encarou a criação artística como uma experiência filosófica. Sua obra funciona como um buraco negro em que o espectador é leva consigo todas as suas lembranças, experiências e emoções.”

            Na Pinacoteca, as obras ocupam todo o primeiro andar, com doze salas e o octógono, na parte central do prédio. A primeira sala expõe os anos de aprendizado no ateliê do pai, o pintor impressionista Giovanni Giacometti, na cidade de Stampa, na Suíça italiana. De 1901 a 1921, ele aprendeu a desenhar, pintar e esculpir a partir da observação da natureza e de modelos-vivos. Em 1922, mudou-se para Paris para estudar escultura. No final de 1926, instalou seu ateliê na rua Hyppolyte-Maindron, 46, em Montparnasse, e de lá saiu em raras ocasiões, para visitar a família na Suíça ou para viagens de trabalho. Trabalhou nele até a morte. O prédio seria demolido em 1972 e seu conteúdo formou o primeiro acervo da Fundação Giacometti, criada em 2003.

            No espaço reduzido do ateliê, ele viveu suas aventuras mais inquietantes. Ali se apaixonou pela arte “primitiva” da África e Oceania, e inspirado nela esculpiu Casal. Foram suas primeiras peças expostas em 1927 em Paris – e se encontram na sala 2. De 1929 a 1935,  abandonou o figurativismo e os modelos. O grupo surrealista, liderado pelo escritor André Breton, convidou-o a o fazer parte do movimento. Quando fez sua primeira mostra individual, em 1932, Breton celebrou a escultura Bola suspensa como protótipo do Surrealismo. Mas Giacometti foi expulso em 1935 porque voltou a trabalhar com modelos, pecado mortal para os surrealistas, que retiravam o material de suas obras dos sonhos e alucinações. Giacometti não se importou muito. Quando ficou manco ao ser atropelado por um carro em 1938, enfurnou-se ainda mais. Durante a ocupação nazista, foi obrigado a fugir à Suíça. Retornou ao ateliê depois da guerra. Ali se envolveu com suas modelos e se casou em 1949 com uma delas, Annette Arm (1923-1993). E nele recebeu autores famosos que escreveram sobre sua obra, como Jean-Paul Sartre e Jean Genet. Ambos o chamavam de existencialista. No artigo “O ateliê de Giacometti”, publicado em 1957, Genet anuncia que descobriu o segredo da arte do amigo: “Giacometti parece querer descobrir e desnudar essa ferida secreta que existe em tudo e em todos”.

            Uma ferida que fez gosto de nunca cicatrizar e nem comentar. Suas preocupações pareciam ser de ordem estética. “O problema é encontrar o real por meio das aparências externas”, dizia. Giacometti se atormentava com a forma clássica de representação, que respeitava as medidas exatas do volume do modelo.Via arte clássica como falsificação da realidade, já que esta só se apresenta por meio da percepção. “Hoje mesmo de tarde do British Museum, enquanto estava olhando as esculturas gregas, senti que elas eram enormes blocos de pedra, mas blocos mortos”, disse a David Sylvester. “Quando vejo alguém olhando para elas, essa pessoa não tem espessura e dá a impressão de ser uma aparição quase transparente – e leve. O próprio peso da massa é falso. O que faz um ser parecer vivo é o fato de ele, mesmo sendo muito gordo, pode ficar levemente na ponta de um pé, ele até ode dançar num pé só, não pode? Uma das razões por que fiz figuras em tamanho natural que se tornaram extremamente finas deve ser que, para serem reais, elas tinham de ser leves o suficiente para eu erguê-las, carregá-las com uma mão só e coloca-las num táxi junto de mim.”

            Dedicou seus últimos anos a desbastar as peças que criava. À medida que suprimia a matéria, descobria que as figuras se tornavam maiores: “Quanto mais desbasto maior a peça fica. Mas por que isso acontece, ainda não sei. Veja, no busto que estou fazendo agora, não paro de desbastar; no entanto, ele é tão grande que tenho a impressão de que sempre volta a ficar duas vezes mais espesso do que na realidade é. Por isso, tenho de continuar desgastando, desbastando. E depois, bom, simplesmente não sei. É nesse ponto em que realmente me perco. É como se o material real estivesse se tornando ilusório.”

            O professor Teixeira Coelho compara-o aos pintores Lucian Freud e Francis Bacon, que buscaram distorcer a  figura humana para ressaltar a ferida. “Há uma mudança de escala, um colapso da percepção espacial dele”, afirma Coelho. “É diferente de Michelangelo ou Rodin, que podiam apresentar esculturas inacabadas, mas o corpo era proporcional ao espaço que ele ocupava.”Giacometti declarou a derrota da representação, diz o crítico Rodrito Naves: “É como se disesse que, em nosso tempo, não é mais possível encontrar a completude, nem do lado do artista, nem do lado do retratado. É uma somatória de erros, como se fosse o elogio do fracasso.”     

Até morrer do coração em 11 de janeiro de 1966, Giacometti exaltou a precariedade como a única expressão possível da realidade. Nos seus últimos anos, dedicou-se a três atividades: representar a figura feminina, petrificar aparições de movimentos e moldar cabeças em argila ou terracota sem trair a verdade delas. Essas obsessões comparecem no octógono da Pinacoteca, que abriga o monumento projetado em 1958 a ser instalado na praça diante do edifício do banco Chase Manhattan em Nova York: são figuras  longas e gigantescas em bronze – uma mulher em pé um homem caminhando – ao lado de uma cabeça colocada o chão. O projeto nunca foi concretizado, para alívio do artista sempre insatisfeito. “Um fracasso me interessa tanto quanto um sucesso”, disse. “E devíamos expor as obras que não são boas em vez das melhores.”

            Ele gostava desse tipo de frase de efeito, e talvez as inventasse para se proteger. Apegava-se a suas peças enquanto as fazia. Depois as abandonava, sem terminá-las. “Quando sinto que não estou querendo largar a obra, volto para ela. E quando paro, não é para achá-la mais completa, ou melhor; é porque, naquele momento, ela deixou de ser necessária para mim. Isso quer dizer que eu sempre paro exatamente no dia em que o trabalho estaria apenas começando.” Para Giacometti, a arte verdadeira ainda está por ser feita.


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