quinta-feira, 22 de março de 2012

Bioy contra a juventude

> > > Adolfo Bioy Casares passou aos anais da literatura argentina como a sombra do Jorge Luis Borges. Bioy seguiu tão fielmente seu e parceiro, que, dizem , aquele que é considerado o seu melhor livro, o romance A invenção de Morel, de 1940, teria sido reescrito por Borges. O certo é que o suposto escritor-fantasma se encarregou de redigir um prefácio à obra. Nele, Borges afirma que o jovem pupilo fundou um novo gênero nas letras hispânicas em uma narrativa – mescla de especulação filosófica e ficção científica - “perfeita”. A declaração tanto ajudou a glorificar o livro como ofuscar os restantes. Depois de Morel, Bioy escreveu dezenas de volumes, alguns em parceria com Borges, coletâneas de contos e oito romances, três deles após a morte de seu mestre, em 1986. No entanto, nenhum de seus esforços se equiparou a Morel. > O que mais próximo chegou a isso foi o romance Diário da guerra do porco (CosacNaify, 204 páginas, R$ 55, tradução de José Geraldo Couto), que chega ao Brasil com quatro décadas de atraso. A desatenção para com a obra de Bioy pode ter retardado as traduções de suas obras. > A edição conta, na quarta capa, com um texto de Rubem Fonseca. Ele diz preferir O diário da guerra do porco a Morel, porque “o escritor fala do compromisso que o ser humano tem com a vida” e “do dever de enfrentar a morte e a velhice e o desprezo da sociedade e o desdém e a violência dos jovens”. A comparação soa exagerada. O diário... pode conter as virtudes citadas, mas não ombreia com a fantasia concisa de A invenção de Morel. Mesmo assim, trata-se de um romance repleto de achados, especialmente no plano alegórico. > A cena se passa em Buenos Aires. Lá vive o herói do romance, Isidro Vidal. Ele tem quase 60 anos e mantém a vida sexual ativa, mas se comporta como ancião. Mora num cortiço e passa os dias jogando truco na bodega com os amigos. Eles demoram a descobrir que os jovens promovem uma rebelião contra os “porcos” – como chamam os mais velhos. Provocam tumulto e lincham criaturas que julgam repugnantes e mesquinhas. Dn Isidro e turma são forçados a buscar um esconderijo. Ali, imersos na consciência de seus defeitos, discutem a situação. Diz um deles: “O que me aborrece nessa guerra ao porco (..) é o endeusamento da juventude. Estão como loucos porque são jovens. Que estúpidos.” Outro: “Nesta guerra os garotos matam de ódio pelo velho que um dia vão ser. Um ódio bastante assustado...” A atmosfera claustrofóbica aos poucos se desanuvia até chegar à farsa. > Publicado em 1969, O diário da guerra do porco apresenta uma fábula sobre a revolução da cultura jovem dos anos 60, que então pegava os mais velhos de surpresa. Lido hoje, vale como provocação e uma ironia: a geração que linchava os velhos em 1968 chegou à terceira idade.

Nenhum comentário: