sexta-feira, 23 de março de 2012

Abaixo o “chafé” estrangeiro

Abaixo o “chafé” estrangeiro

 

 

            As pessoas estão hipnotizadas por um novo e banal totem de consumo: um copo de papel, imagine só. Tenho observado os jovens circularem com ele nos shoppings centers e pelas calçadas que já não têm poste de luz. O objeto vem decorado com um logotipo verde em forma de círculo, mostrando o desenho em branco e preto de uma sereia de longos cabelos. É dotado de tampa e um buraquinho retangular na borda onde o sujeito pode queimar os lábios bebendo um café de gosto estranho, quase um “chafé”. O hálito quente da sereia da Starbucks é sedutor. A companhia de Seattle chegou por aqui há poucos meses e já arrebanhou freguesia, fascinada porque se sente em qualquer outro lugar do mundo que não São Paulo. É a bênção da globalização: fazer a gente estar em qualquer lugare do planeta ao mesmo tempo, sem sentir diferença em nada. .

            Outras redes de café também têm ganhado fama. É o caso da argentina Havanna. A bebida é menos aguada que o café colombiano da Starbucks – e o cliente, envolvido pelo mobiliário de falso mogno do estabelecimento,  pode achar que se transporta para Mar del Plata . Não vou estragar o prazer do incauto, dizendo que os argentinos aprenderam a fazer café há pouco tempo. Há vinte anos, o café buenairense era mais aguado e intragável  que o da Starbucks. Não adianta, como seria inútil fazer uma campanha contra a falsa idéia de café-gourmet ianque, com o slogan “Starbucks, go home!” A mundialização alterou para sempre o paladar.

            Mas o que me deixa furioso é que o hábito do café, tão arraigado entre os paulistanos, esteja sendo corrompido pelas franquias pseudochiques. Por muito tempo o Brasil venerou a beberagem servida na Paulicéia, mais forte do que no resto do país. As primeiras máquinas de expresso foram instaladas aqui. E as redes de café locais se estabeleram há três décadas, e se espalharam pelo país.

Que eu saiba, São Paulo é a terra do café. Assim, o sucesso dessas redes multinacionais com café pior que o de qualquer bar é a prova de que é possível vender geladeira para pingüim, café diluído para os maiores apreciadores de café deste e do outro mundo.

            De minha parte, já aviso que me recuso a entrar nesses lugares que profanam a genuína arte de sorver o cafezinho. Eu me recuso a queimar minha boca no bafo de ruibarbo da sereia de Seattle, ou ter engulhos com o repugnante mocha portenho que disfarça o pó ruim com calda de chocolate. Odeio esses fetiches. Para me exorcizar, vou agora mesmo à padaria da esquina e pedir um pretinho servido em objetos em extinção, aqueles minúsculos copos de vidro maciço. O hábito bem brasileiro de tomar cafezinho virou agora um gesto de resistência cultural. 

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