quinta-feira, 24 de maio de 2012

Lang Lang é farsante ou a crítica faz lenga-lenga?

O pianista chinês Lang Lang, de 30 anos, é uma personalidade mundial. Embaixador da Unicef, conselheiro do Carnegie Hall de Nova York e artista consagrado, com contrato com o selo Deutsche Grammophon. Acima de tudo, é um virtuose exagerado, que altera as partituras que interpreta à vontade, e que imprime a cada execução um toque expressivo, muitas vezes arrebatado. Ele é, portanto, um alvo fácil para a crítica cevada nos ideais de clareza de digitação de Glenn Gould e Alfred Brendel. A crítica brasileira – ou o que resta dela – malhou os recitais de Lang Lang domingo e terça-feira por causa de suas visões exacerbadas das obras. A crítica errou. Na realidade, Lang Lang soprou vida em peças mais do que desgastadas de Bach, Schubert e Chopin. Dar vida a múmias sonoras virou pecado?
Pelo jeito, virou. Mas o que o público aplaudiu de pé e clamou por bis na Sala São Paulo na última terça-feira não foi uma miragem. Lang Lang ofereceu uma aventura de expressão através da Partita nº 1, em Si bemoll maior BWV.826, de Johann Sebastian Bach, Sonata nº 23, em si bemol maior, D.960, de Franz Schubert, e os 12 Estudos, opus 2, de Frederyk Chopin.
Em Bach, ele explorou os timbres e as possibilidades emocionais que repousam no fundo e adormecidos da escritura de Bach, um compositor tido como mais metafísico que dado a arroubos. Uma abordagem delicada e cantabile da peça, feita originalmente para cravo. Muita gente não gosta do repertório clavecinista no piano, e Lang Lang avança sobre esse preconceito e se dá bem.
Em Schubert, autor de obras abertamente transgressivas e emotivas, o pianista atacou o teclado com fúria de pianista romântico, descabelado. Manteve a tensão ao longo dos quatro movimentos da obra, pontuando as erupções possíveis à vontade. Isso horrorizou muitos ouvidos cultivados na clareza da execução.
Por fim, Lang Lang percorreu o gradus ad Parnassum dos doze estudos de alta interpretação pianística de Chopin, da melodia inicial, evocativa, ao turbulento epílogo. Ele ofereceu uma interpretação ousada do autor romântico, destacando seus traços mais contemporâneos e inquietantes.
A crítica preconiza que as múmias fiquem nos seus sarcófagos, para serem veneradas. Não suporta ouvir modificações em objetos sacros. Sua reação negativa se deve aos hábitos adquiridos. Lang Lang é dono de uma técnica pianística perfeita. Obviamente, tem suas idiossincrasias: salta e dança demais com os dedos, talvez economize demais nos pedais, sente-se livre para explorar uma peça musical. A crítica jamais apreciou artistas que fogem dos paradigmas. Mas o que mais ficou flagrante na segunda passagem de Lang Lang pelo Brasil foi que os críticos madurões não parecem se comover com os arroubos dos jovens. O que é lamentável e decadente.
Luís Antônio Giron

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