sábado, 11 de junho de 2011

Adeus à lâmpada

A invenção de Thomas Edison está condenada a sair do mercado em 2016. Quem vai sentir sua falta?

 

Adoro a luz amarelada das lâmpadas incandescentes. Acostumei-me à serenidade de seus raios suaves e ao seu calor, e me agrada pensar que daqui a alguns minutos vou ler um bom romance antes de dormir ao lado de um abajur dotado de uma lâmpada de 60 watts quase igual à que Thomas Alva Edison lançou no mercado em 21 de outubro de 1879. Nela vibra o esforço do inventor americano em suas várias tentativas até descobrir que um filamento de tungstênio submetido a alta temperatura em um meio rarefeito poderia produzir luz sem se derreter. A lâmpada surgiu como uma espécie de prisão de vidro que guardava o vagalume artificial que ardia por tempo indeterminado. Passaram-se 132 anos desde que foi criada, eu a conheço desde bebê, e ainda hoje a lâmpada me queima os olhos como uma emanação misteriosa. Para mim é fascinante contemplar o filete de luz sustentado em dois polos de estanho dentro de um globo transparente, na ionização que oscila para além da percepção humana. Mas tal brilho de aparência eterna vai se extinguir aos poucos, e por decreto público.

Os governos de quase todos os países do mundo já acordaram que vão eliminar a lâmpada incandescente, porque ela representa um gasto excessivo de energia para os padrões atuais. Uma lâmpada produz apenas 8% de luz. O resto é calor. Por isso, ela está sendo substituída por lâmpadas fluorescentes compactas, dicroicas e de diodo (LED), consideradas mais econômicas, frias e duráveis, embora bem mais caras. A União Europeia iniciou o processo de eliminação da lâmpada em meados de 2009 – e estabeleceu a data-limite para o descarte das últimas lâmpadas de 40 e 60 watts para agosto do ano que vem. No Brasil, o governo estendeu o prazo até 30 de junho de 2016. É um desafio de grandes proporções, já que ainda hoje 80% dos lares brasileiros são iluminados pelas antigas lâmpadas. Duvido que nas zonas rurais elas serão banidas tão cedo.

Será que se eu começar a estocar lâmpadas a partir de agora poderei manter o hábito para daqui cinco anos? Sei que há gente pensando nisso desde já; pessoas que não irão se acostumar a viver sob os raios alvos e trêmulos das luminárias fosforescentes. Sou uma delas. Isso Porque não aguento lâmpadas dicroicas, por exemplo. Elas emitem raios que parecem atravessar as pálpebras e não me deixam dormir. As fluorescentes me causam cegueira temporária. As de LED me ferem as pupilas. Definitivamente não consigo ler com as novas invenções. Não sei o que fazer. Em breve só vai me sobrar o sol e, talvez, a chama bruxuleante de uma vela, candeia ou lampião – que não deixam de ser precursores da luz cerúlea de Edison. Sim, vou sentir falta dela.

Qualquer mudança de tecnologia provoca esse tipo de reação nostálgica (para não dizer retrógrada) que me acomete agora. As grandes cidades ganharam iluminação elétrica nos anos 1880. Foi assim em Nova York e Paris. O Brasil, as primeiras cidades com luz elétrica foram Rio de Janeiro, Campos(RJ) e Juiz de Fora (MG), ainda na década de 1880. Em alguns pontos remotos do Brasil, as redes de iluminação só apareceram no final da década de 10 do século XX. Minha avó me contava da saudade que ela tinha dos lampiões de gás que alegravam a casa de negócios de seu pai, e a estação ferroviária em Carlos Barbosa, no Rio Grande do Sul. Ela me dizia que a luz dos bicos de gás era muito mais brilhante, “os rostos das pessoas ficavam azuladas à noite”, me contou, e quando havia fandango nos salões as cores e os contrastes eram mais berrantes. Havia uma nitidez que em seguida a lâmpada de Edison ofuscou, com a sua fantasmagoria amarela.

Em alguns lugares do mundo, como nos centros históricos de Londres e Berlim, as prefeituras mantêm até hoje a iluminação urbana a gás, para evocar os tempos idos. Já andei por esses lugares. A impressão é de um cenário irreal. Imagino o quão irreal não pareceram as lâmpadas de Edison aos olhos de quem estava acostumado ao bico de gás... Em 1855, José de Alencar escreveu uma crônica para falar de seu espanto quando a luz de óleo de baleia deu lugar aos bicos de gás, e o Rio de Janeiro saía da penumbra, perdendo alguns de seus mistérios.

 

Em muitos recantos paulistanos ainda é possível viver a luz espectral de tungstênio. Aliás, na maior parte da cidade. Suas favelas são iluminadas assim, seus botecos, seus museus, algumas escolas. Aos poucos, tudo sofrerá uma alteração tecnológica: a revolução como revelação de uma extrema claridade que tudo pode desmascarar – inclusive a alma. Em janeiro deste ano, a iluminação da avenida Paulista aumentou em 300% com a substituição das lâmpadas de mercúrio pelas de diodo. Está tudo mais claro e sem nuances de cor na Paulista. Como se a prefeitura acionasse o contraste do aparelho da cidade. E assim o espaço urbano passa a ganhar cenografias inesperadas. Trocará em breve o dia pela noite, como o Times Square de Nova York. É um novo espetáculo que entra em cartaz – e ao qual não desejo, mas serei levado a assistir. Todos seremos obrigados a acender luzes excessivas que queimam nossa pele sem que ela sinta.

Volto à leitura do livro à luz quente da lâmpada de Edison. As pálpebras pesam. Suspiro. Minha vontade é de sorrir e me apagar com ela.

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