sexta-feira, 6 de novembro de 2009

São João... sem quentão

O governador baixou mais uma lei: fica proibida a venda de quentão e vinho quente em quermesses nas escolas. Porque, segundo o dignitário, vinho quente e quentão são bebidas alcoólicas – e, portanto, inadequadas ao consumo de menores. Trata-se de mais uma medida moralizadora de alta eficácia com que o governo nos presenteia. Depois do saquinho de cocô de cachorro e das leis seca e antifumo, nada mais oportuno que proibir que nossas crianças bebam álcool em pátios de escola, e os adultos também.
É uma atitude histórica. Desde a Idade Média, em Portugal, onde a bandalheira começou, os pequenos bebiam vinho quente, enquanto dançavam em torno da fogueira para celebrar São João. Com a descoberta do Brasil, o gentio introduziu a maldita da cachaça, que, associada a especiarias do Oriente – cravo, canela, açúcar –, deu origem ao insidioso quentão. Quantas gerações não foram conspurcadas e precocemente extintas por conta da beberagem que moveu tantas quadrilhas idiotas do folclore luso-brasileiro!?
Outras gestões, diga-se em louvor, rechaçaram o balão, que tantos danos causaram ao Brasil e ao mundo. Hoje quem o cultua merece a cadeia. Agora criminaliza-se o folclore, que não deixa de ser o pior inimigo da saúde, do progresso e das inovações sociais.
Se nós, brasileiros, desejamos vencer o complexo de vira-lata, cumpre que costumes indecorosos sejam eliminados de nossos folguedos populares, se não os próprios folguedos. Em vez de quentão, ofereçamos coca-cola e o brasileiríssimo guaraná. E se elas quiserem uma bebida quente, vendamos chá de boldo para o estômago. E a farmacopeia indígena pode inspirar os operadores de quermesses... desde que evitem o cogumelo e o Santo Daime.
Após a abolição do quentão, que tal substituir a fogueira pelo forno microondas? Seria mais seguro, higiênico e pedagógico. O microondas desempenha melhor o papel de totem tecnológico. Fogueiras só produzem fuligem e perigo. Desde a era medieval, quantas moleques não pularam da quadrilha diretamente às garras do diabo ao tentar pular fogueira?
Outra sugestão diz respeito aos trajes caipiras. Para que vestir andrajos, bigodes de carvão e chapéus de palha que só rebaixam o homem do campo e seus ideais de agronegócio? O governo pode tornar ilegal esse traje ridículo. É fundamental aprovar uma lei que institua a vestimenta de cauboi nas quermesses, cuja tradição é mais elegante, e conta com muitos seguidores. Aliás, vamos chamar São João de outra coisa. Basta de crendices com santarrões. Que tal Festa do Cauboi de Junho? O veto ao quentão dá início a uma nova era iluminista, sem os riscos do fogo.

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