sábado, 28 de novembro de 2009

O mágico do Mosteiro

Não costumo escrever quando estou tomado de emoção. Em geral, o que faço nessas condições sai ruim. Tenho a necessidade de medir, de meditar sobre o fato que vivenciei. Ficar à distância de mim mesmo sempre foi um método preventivo eficaz. Mas agora vou me dar ao luxo de me comover, e suportar as conseqüências do ato.


No sábado, fomos as minhas filhas, minha mulher e eu, passear no centro da cidade. Visitamos casas de instrumentos musicais e de chapéus perto da rua Casper Libero. Atravessamos o viaduto Santa Ifigênia, imaginando o que os suicidas pioneiros não pensaram quando se lançaram lá de cima. Ao chegar ao mosteiro de São Bento, topamos com um homem de cerca de 40 anos, gordo, barbado, vestido festivamente e com um leve sorriso a fazer gestos teatrais; “Venham ver a mágica! Venham ver a mágica!, convidava. “Cheguem aqui, por favor!” Ele mostrou os truques de sempre: o lenço vermelho que desaparece, a adivinhação do baralho e a caneta que se desmaterializa. O mágico, na verdade, parecia interessado em vender o segredo dos truques. Um mágico que mendigava uns trocados para contar os segredos, não aquele astro que cobra entrada para o espetáculo. O mágico sorria para atrair uma freguesia improvável, que nesta altura do século teria curiosidade infantil de conhecer truques tantas vezes repisados e desvelados. Talvez um suicida em potencial do viaduto, que tenha se valido do último recurso de que dispunha para achar um sentido na vida.

Eu abomino que me contem segredos de mágica, e lhe virei o rosto (agora me arrependo). Minhas filhas ficaram indignadas. Míriam, tomada de compaixão, comprou duas mágicas, duas por cinco reais.. Um sujeito magro e alto que nos olhava de longe, com aspecto desmazelado, veio para perto das meninas e as levou de lado para lhes explicar o segredo. Eu fiquei longe, não olhando mais para o artista patético que continuava a gesticular e falar, para atrair outras crianças, ou outros passantes comovidos. Mantive distância de uma emoção que agora se manifesta incontrolável. Estou com lágrimas nos olhos, porque penso no mágico e seu assistente, dois pobres homens, lutando para sobreviver por um método completamente fora de moda e ineficaz a nossos olhos sovados no cinismo e na indiferença. Eu não quis me emocionar com isso, e agora pago me emocionando em dobro. Nem todos os suicidas do viaduto juntos me provocariam esse sentimento.

Agora me ocorre uma hipótese. Talvez essa dupla de cidadãos de rua, o mágico e seu assistente, atuem não para vender segredos de polichinelo, mas estejam lá para provocar justamente a emoção que me causaram. Feios, sujos, desvalidos e comoventes. Não disse? O texto resultou piegas... Pouco importa: a vida nos surpreende com os truques mais antigos.

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