quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Yamandu, um gênio do tamanho da música

Yamandu

 A primeira vez que ouvi falar em Yamandu Costa foi no final do século passado na casa do compositor Guinga, no Rio de Janeiro. Guinga me disse de seu espanto de ouvir um jovem violonista que, de tão genial, parecia a reencarnação de Raphael Rabello: “Ele se chama Diamandu. Até o nome dele é diabólico”, disse Guinga. “Ele é parecidíssimo com o Raphael, e você vai ouvir falar dele em breve.” Nunca subestimo as profecias dos artistas. Por experiência própria, sei que, salvo erro, elas costumam se realizar. “Você vai notar uma característica nele, que eu acho um pouco inquietante”, disse Guinga. “Como eu disse a ele certa vez: ‘Diamandu, você só tem um defeito. Você quer ser maior que a música’.”

            O vaticínio se cumpriu. Não demorou muito para eu ouvir falar de Diamandu, que em 1999 lançava o seu primeiro CD. Até então ele não se chamava Yamandu, não sei por quê mudou de nome, mas imagino que seja pela sonoridade e pela pronúncia meio uruguaia que seu nome guarda: “yamandu” é pronunciado “diamandu” no acento oriental. Fui ouvi-lo em um show, e fiquei impressionado com a liberdade que ele tomava com seu instrumento e, mais ainda, com as músicas que tocava. Seus dedos feriam asperamente as cordas, em uma ânsia em dominar os gêneros brasileiros, do regional sul-riograndense ao choro, o público e tudo o que estava à sua volta. Era um ímpeto dominador, e muitas vezes demolidor. Não é que o Guinga tinha razão? Ele parecia querer se apossar da música, impor-se a ela.

            No CD que o projetou nacionalmente, Yamandu Ao Vivo, o quarto da carreira, ele ainda exibia o virtuosismo desenfreado que o notabilizou no início da carreira, seu lado de gaúcho espalhafatoso e desprovido de superego tão típico de nossa cultura sulista.

            Yamandu nasceu em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, em 25 de janeiro de 1974, de pais músicos: a cantora gauchesca Clari Marson e o multi-instrumentista Algacir Costa.  Suas primeiras influências são os ritmos da cultura gaúcha, compartilhada por brasileiros, uruguaios e argentinos. Ele conta que começou a expandir sua visão de mundo quando ouviu as composições do conterrâneo Radamés Gnatalli, o maestro que fundiu jazz, choro e música clássica genialmente. Foi assim que Yamandu decidiu se dedicar à música brasileira, incluindo os ritmos sulistas a sua corrente principal.

            Começou exagerado. Felizmente, com o passar do tempo e o amadurecimento, Yamandu domou seus impulsos, passou a frequentar o eixo Rio-São Paulo, conviver com músicos e a ampliar suas referências musicais – e principalmente aprendeu a refinar sua arte de interpretação. Dos 15 discos lançados em 22 anos, destacam-se os que fez em parceria com Paulo Moura, Dominguinhos e Hamilton de Hollanda: são obras-primas, cada uma delas em um tipo de música, cada uma delas indicando um degrau na formação do gênio musical que se tornou Yamandu.

            Seu primeiro CD solo, Mafuá é uma espécie de resumo do violonista e de seu lado de compositor. O trabalho saiu em 2007 na Alemanha, onde foi gravado, e somente agora é editado em versão brasileira pela Biscoito Fino. É a melhor introdução para entender a inspiração grandiosa do Yamandu senhor de sua técnica, arte e interpretação. O álbum compreende 13 faixas, em um passeio pelos gêneros sulistas, o samba e o choro. Yamandu baixou a bola, desceu do salto alto do exibicionismo e agora está do tamanho da música – da grande música, bem entendido...  

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