quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Deseducação sexual

Deseducação sexual

A nova geração do pornô para moças reforça o culto ao macho

LUÍS ANTÔNIO GIRON

O que a nova literatura pornô para moças têm a ensinar sobre sexo? Rigorosamente nada. Ao contrário, o gênero é um vibrador de letras que veio para imbecilizar e criar mitos entre as fãs de Crepúsculo, agora mais crescidinhas e prontas para começar a vida sexual e consumir idiotices disfarçadas de informação. Ouço dizer que a trilogia Cinquenta tons de cinza, da britânica E.L. James, está salvando o casamento de muita coroa em Manhattan, Leblon e Jardins. Além do primeiro volume, que dá nome à trilogia, seguem-se (vale saborear os títulos) Cinquenta tons mais escuros e Cinquenta tons de liberdade – trazem um abecedário de cenas supostamente excitantes, embora conhecidas de qualquer adulto medianamente racional. Trata-se da pior história de iniciação sexual de todos os tempos. Por isso, espanta-me ver mulheres maduras tão ignorantes em sexo terem erigido a trilogia a totem, ajudando-a a transformá-la no maior best-seller mundial da atualidade. O que elas fizeram esses anos todos? Tudo, menos transar. 

Na verdade, são as pós-adolescentes o público-vítima de James e suas epígonas. Sim, como se não bastasse James, uma ex-executiva de televisão de 49 anos que redescobriu o filão da literatura erótica, agora surgem as seguidoras de seus gorjeios mentais (“tweets”, em inglês). A mais atrevida delas é a nipoamericana Sylvia Day, 39 anos, autora de ficções científicas, fantasias urbanas (as rurais ela deixa para J.R.R. Tolkien e George R.R. Martin), romances eróticos paranormais – e histórias pornôs “de bom gosto”. Sua trilogia erótica Crossfire (por que não levou o nome de Fogo cruzado em português mesmo?) está sendo lançada pelo selo popular Paralela – que pertence à Companhia das Letras. O primeiro livro se intitula Toda sua, o segundo Deeper in you (em inglês mesmo) e, como em Cinquenta tons de cinza, traça o percurso per aspera ad astra de uma relação heterossexual. A peculiaridade da obra repousa na tese farmacológica, ao gosto do público feminino pós-contemporâneo: vítimas de abuso sexual podem levar uma vida amorosa saudável? Minha pergunta é outra, à qual já respondi: vítimas de abuso literário podem sair ilesas da pornografia malfeita?  

O que esses livros trazem de fato é simultaneamente uma lavagem estomacal e cerebral. A leitora se esvazia após a experiência de deseducação sentimental, e chego a duvidar de que consiga enfrentar qualquer outro livro a partir do choque. Mais, estou certo de que ela, tão logo acabe esses romances, substitui o desejo de fato pela libido desviante do sadomasoquismo com ternura – como se este pudesse se sustentar por muito tempo. E.L.James e Sylvia Day contam uma mentira deslavada: a de que a tara pode ser domada e convertida em prática cotidiana.  

Pode ser interessante penetrar nas duas histórias. Em Cinquenta tons de cinza, a jovem bacharel de Letras Anastasia Steele descobre que ser amarada e suavemente torturada lhe provoca prazer, sobretudo se tiver como parceiro um bilionário gourmet, culto de 28 anos chamado Christian Grey. Crossfire exibe uma história mais ousada, embora não muito diferente de Cinquenta tons...: a publicitária Eva Tramell, de 24 anos, é seduzida pelo “bilionáro maravilhoso” e jovem Gideon Cross, CEO do grupo Crossfire e, na prática, de toda ilha de Manhattan. Ele sofreu abuso sexual na infância e costuma se acasalar com mulheres enquanto elas estão dormindo. Gideon também sente prazer quando Eva explora os músculos contraídos de seu traseiro. Eva suspeita que ele não seja normal e procura entendê-lo melhor. Conversando com o doutor Petersen, acredita ter descoberto que ele sofre de uma doença: a parassonia sexual atípica. Mas... e se o mal dele for outro? Apaixonada, Eva tentará a um tempo curá-lo e convertê-lo. Obviamente, a leitora saberá do segredo na última página da trilogia, que ainda não foi escrita. 

Acho que o parágrafo acima soa mais erótico do que aquilo que as trilogias propriamente ditas podem oferecer. Elas são puritanas e paralisantes. Não contém glúten ou sal. Retratando personagens como submissas, reforçam a inveja do pênis, o culto a príapo e a ilusão do sexo como aventura higienista. E.L. James e Sylvia Day brincam tanto com variações do ato sexual que acabam esvaziando o tema. Este fato aproxima suas histórias dos antigos romances seriados para moças, como M. Deli, Sabrina e Polyana – com suas histórias pulsantes de sexo, só que nas entrelinhas. As duas escritoras também fazem com que a gente que já viu, viveu e leu muitas coisas tenha saudade das cenas de sexo grupal das Mil e uma noites, das sacanagens impensáveis do Marquês de Sade e até do ardente casamento místico de Cristo com Santa Teresa d’Ávila - a genuína fundadora da ficção erótica paranormal. Às leitoras seduzidas pelo “mama porn”, sugiro que consultem os contos orientais, o romance A filosofia da alcova, de Sade, e os poemas místicos de Santa Teresa. Não sei se essas obras realmente eróticas conseguirão salvar as leitoras viciadas da banalidades. Não custa tentar.

Pior farão as seguidoras das seguidoras de E.L. James. Vêm aí mais romances de soft porn. Teremos que nos acostumar a isso. Eles ensinam as delícias da perversão domesticada – algo tão improvável quanto Jane Austen vampira, Abraham Lincoln caçador de zumbis e Xuxa contra o baixo astral. Se as senhoras que citei anteriormente resgataram seus casamentos por causa de tais obras, e as moças experimentaram alguma revelação em suas páginas, devem tê-lo feito por um tempo curtíssimo. Porque, leve ou pesada, pornografia cansa. 

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