quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Nosso amigo, o rato

O longa-metragem de animação Ratatouille, da Disney-Pixar, que acaba de sair em DVD, narra a ascensão de um ratinho, Rémy, de fascinado por comidas sofisticadas até se tornar no grande chef de um restaurante de Paris. Quando a turma do cozinha descobre quem era o gênio do lugar, todo mundo sai em debandada. E aí assoma o momento mais épico do filme: uma horda de ratos, sob o comando de Rémy, toma posse da cozinha e passa a produzir os pratos mais refinados do mundo – chegando a conquistar cinco estrelas do crítico mais cricri do pedaço. Nos extras do DVD, há um curta-metragem, intitulado “Seu amigo rato”, em que Rémy defende a idéia de que homens e ratos deverão viver em harmonia daqui para frente, até porque ambas as espécies são as mais preparadas para sobreviver a uma provável hecatombe ecológica (Rémy não menciona as baratas nem os cupins).
A Disney vem se esforçando desde 1928, quando criou Mickey, para que simpatizemos com os roedores. Nas historinhas, pode ser. Mas, de fato, a humanidade continua a alimentar um horror ancestral aos ratinhos de todas espécies. Acabo de ler a notícia de que os ratos anteciparam os homens e já se globalizaram. Porque a globalização humana ainda é de capital, não de circulação de indivíduos – pois seguimos leis internacionais que limitam fenômenos como, por exemplo, uma invasão de chineses na Europa. Ou que os paulistanos mais afortunados se mudem em definitivo para Nova York. Os ratos não precisam de passaporte e estão em toda parte.
São Paulo não é exceção, pois experimenta uma praga endêmica de ratos de telhado. Eles vivem nos forros e sótãos das casas e nos terraços dos prédios mais altos. Surgem pelos vasos sanitários, calhas e bocas-de-lobo, devorando o que encontram pela frente. Numa noite dessas fui ver um concerto no Teatro Municipal. Juro: durante a pausa da orquestra ouvi ruídos de mastigação – e não pareciam aqueles chatos que abrem balas durante um "adagio" em pianíssimo. Eram ratinhos felizes! Com capacidade para mais de mil espectadores humanos, o Municipal deve abrigar uma população correspondente de melômanos roedores.
Desratizar SP seria uma campanha útil. Mas o prefeito e seus subs estão mais interessados em fazer a “higienização social”, caçando pobres em favelas históricas para liberar os terrenos para as grandes torres das incorporadoras. Os ratos assistem de camarote ao “espetáculo do crescimento” da indústria civil. Afinal, adoram mascar cimento e concreto armado. Apreciam também a dieta dos mais ricos. Estão prontos, como Rémy, para aperfeiçoar seu paladar nos novos “espaços gourmets” dos condomínios que sobem às nuvens. Pelo jeito, o cidadão vai ter de se unir a eles. Será a esperada ratização de uma longa amizade.

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