domingo, 12 de abril de 2009

Lembranças de um hotel

Hotéis são paradoxais. Apesar de sólidos e construídos para durar, deixam ao mesmo tempo transparecer uma instabilidade, como se soubessem que passam. Eles cruzam por nossas vidas, surgem e somem ao sabor do acaso. Eles imitam o destino de seus hóspedes. Hotéis são hóspedes da História, também vão e vêm. Para quem mora nos arredores, evocam visitas, encontros, espetáculos, situações banais ou inusitadas. Por isso, me emociono tanto quando certo hotel some de repente.
O parágrafo que acabou é só uma desculpa para falar de um hotel fascinante, candidato à desaparição: o Maksoud Plaza. O luxuoso prédio com seu átrio de 22 andares, fundado em 1979, foi a leilão e não apareceu comprador. Continua a funcionar, mas ninguém sabe até quando. Outros grandes hotéis tombaram: Crowne Plaza, o Hilton do Centro, o Cesar Park. O Maksoud é o derradeiro representante do brilho dos anos 80.
Vou lá no sábado frio me despedir dos velhos tempos. Já não exibe a velha elegância. Na realidade, está meio às moscas. Sento-me no velho sofá de couro, peço um café e contemplo o lugar, entregando-me a devaneios.
Ainda “foca”, em 1984, entrei de gaiato numa das salas do mezzanino para ver a entrevista coletiva que o escritor Jorge Luis Borges concedeu e segui o ancião cego de bengala para dizer que era seu fã. Ele me olhou nos olhos, sorriu e estendeu a mão. Sim, naqueles corredores, tive a certeza de que Borges enxergava.
Ali perto, diante da sala de jogos, numa madrugada do início dos anos 90, o roqueiro Axl Rose lançou uma cadeira na direção dos repórteres. Adivinhe quem estava entre os alvos? Fomos parar na delegacia. Fiquei orgulhoso de fazer o Axl tocar o seu melhor solo de piano... imprimindo suas digitais no prontuário da polícia.
Tantas outras coisas sucederam lá. No restaurante, em meados dos 80, almocei com a cantora italiana Rita Pavone e encontrei as Supremes. No 150 Night Club, no subsolo do hotel, vi shows lendários, como o do cançonetista Bobby Short e da papisa do blues Alberta Hunter. E as entrevistas? Foram tantas: minha primeira em inglês, com a pianista de jazz Toshiko Akiyoshi, e conversas longas com os mestres Tom Jobim e Miles Davis e o teórico agitador Antonio Negri.
O ápice da minha carreia de freqüentador do hotel foi em 1994: hospedei-me no Maksoud para espionar a banda Rolling Stones: passei dias entrevistando copeiros e garçons, coletando hábitos bizarros de Mick Jagger. O resultado foi nulo, pois a única excentricidade de Mick era tomar coquetéis de vitamina. Era caretão...
O átrio descomunal guarda lembranças, e se esqueceu de tantas outras. Passo pela porta giratória, enquanto tento disfarçar com a garoa uma lágrima impertinente. Sinto que deixei muito de mim para trás.

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