Andam me chamando de saudosista por causa das reminiscências que derramo neste espaço. Onde já se viu um andarilho da cidade, atento ao trânsito, que vive de se equilibrar entre a calçada e a rua, comportar-se como um ser nostálgico, lamentando o fim de prédios, obras de arte e pessoas?
Aos críticos respondo que é isto mesmo: sinto falta de uma cidade que desaparece aos poucos, sim, e adoro lançar jeremiadas sobre o que perdi. Vivo de retratar paisagens e sentimentos atropelados pelo avanço catastrófico de um falso progresso, que devasta a natureza e derruba casas em benefício de torres apocalípticas. O resultado é a desfiguração do espaço urbano e, pior, a morte de valores humanos que até pouco trempo eram fundamentais.
A crônica, então, existe para desmascarar o presente pelo passado. O saudoso (lá venho eu de novo...) Rubem Braga foi o mestre da crônica, criador de um gênero que passou a ser seguido no Brasil. Pois o velho Braga ensinava que a nostalgia constitui o objeto da crônica. Cronista e saudosista são sinônimos.
Crônica é um fenômeno recente. Ela surgiu nos jornais no início do século XVIII na Europa. Chamava-se folhetim, espaço no qual se comentavam eventos da cidade, em especial óperas, teatro e circo. O folhetim chegou nesse formato ao Brasil em 1826. Depois derivou para a ficção, a política e o comportamento. O jovem provinciano capixaba Rubem Braga tinha quase nada à disposição. Na ausência de óperas e outros programas culturais nas cidades onde morou, teve de reinventar a crônica. Por necessidade, substituiu a crítica de eventos pelo flagrante do passado. O objeto da crônica é algo que já não está mais aqui. Crônica é a resenha do que não existe mais. A ausência que preenche uma lacuna.
O saudosismo também muda com o tempo. Machado de Assis, na maturidade, evocava sua juventude nos tempos do rei. Braga amargava a ausência de um mundo lírico do início do século XX. O cronista atual sente a nostalgia do que ocorreu há um minuto.
Por isso, os cronistas têm um passado brilhante pela frente. O ontem se afigura tão tumultuado quanto o agora – e logo o fato entra para o rol daquilo que foi urgente um dia. Então peço licença ao leitor para sentir saudade. A rua serve como palco. A vida cotidiana é o meu espetáculo, e este sempre já passou. Daí a melancolia que tinge minhas andanças/lembranças. Porque o espetáculo desta cidade é turbulento: um drama, no qual tanto o passado como o presente... encolheram!
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