segunda-feira, 22 de junho de 2009

Encolheram o passado

Andam me chamando de saudosista por causa das reminiscências que derramo neste espaço. Onde já se viu um andarilho da cidade, atento ao trânsito, que vive de se equilibrar entre a calçada e a rua, comportar-se como um ser nostálgico, lamentando o fim de prédios, obras de arte e pessoas?
Aos críticos respondo que é isto mesmo: sinto falta de uma cidade que desaparece aos poucos, sim, e adoro lançar jeremiadas sobre o que perdi. Vivo de retratar paisagens e sentimentos atropelados pelo avanço catastrófico de um falso progresso, que devasta a natureza e derruba casas em benefício de torres apocalípticas. O resultado é a desfiguração do espaço urbano e, pior, a morte de valores humanos que até pouco trempo eram fundamentais.
A crônica, então, existe para desmascarar o presente pelo passado. O saudoso (lá venho eu de novo...) Rubem Braga foi o mestre da crônica, criador de um gênero que passou a ser seguido no Brasil. Pois o velho Braga ensinava que a nostalgia constitui o objeto da crônica. Cronista e saudosista são sinônimos.
Crônica é um fenômeno recente. Ela surgiu nos jornais no início do século XVIII na Europa. Chamava-se folhetim, espaço no qual se comentavam eventos da cidade, em especial óperas, teatro e circo. O folhetim chegou nesse formato ao Brasil em 1826. Depois derivou para a ficção, a política e o comportamento. O jovem provinciano capixaba Rubem Braga tinha quase nada à disposição. Na ausência de óperas e outros programas culturais nas cidades onde morou, teve de reinventar a crônica. Por necessidade, substituiu a crítica de eventos pelo flagrante do passado. O objeto da crônica é algo que já não está mais aqui. Crônica é a resenha do que não existe mais. A ausência que preenche uma lacuna.
O saudosismo também muda com o tempo. Machado de Assis, na maturidade, evocava sua juventude nos tempos do rei. Braga amargava a ausência de um mundo lírico do início do século XX. O cronista atual sente a nostalgia do que ocorreu há um minuto.
Por isso, os cronistas têm um passado brilhante pela frente. O ontem se afigura tão tumultuado quanto o agora – e logo o fato entra para o rol daquilo que foi urgente um dia. Então peço licença ao leitor para sentir saudade. A rua serve como palco. A vida cotidiana é o meu espetáculo, e este sempre já passou. Daí a melancolia que tinge minhas andanças/lembranças. Porque o espetáculo desta cidade é turbulento: um drama, no qual tanto o passado como o presente... encolheram!

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