Raul Pompéia cortou "O Ateneu" pela cabeça. O escritor fluminense fixou o início da versão definitiva de seu romance em um parágrafo mais abaixo, à altura da vigésima terceira linha do projetado texto de abertura. Refugou tudo o que veio antes, o "incipit" do livro, por algum motivo secreto. A decapitação talvez tenha fortalecido a trama: as primeiras linhas retratam o menino Sérgio levado pelo pai à porta de um internato. "Vais encontrar o mundo", diz-lhe o pai. "Coragem para a luta." A situação remete à porta do Inferno de Dante e do Labirinto de Creta; ela antecipa os sofrimentos que o protagonista-narrador viverá no internato, entre eles o despotismo tecnocrático do diretor Aristarco, o comportamento sexualmente ambíguo dos colegas e o incêndio apoteótico reservado ao último capítulo. O romance saiu em colunas verticais (e não no rodapé habitual dos folhetins) na "Gazeta de Notícias" entre 8 de abril e 18 de maio de 1888, com grande sucesso, e, em seguida, em volume, pela tipografia do jornal. As duas primeiras versões mergulharam o autor na placenta da glória. Mas delas e das vindouras foi extirpada uma parcela essencial.Tudo isso se deixa revelar em uma folha de papel almaço cortada pela metade, escrita face a face, de um só lado, com tinta violeta e lápis. As 22 linhas em questão que fazem parte da folha ficaram trancafiadas por cerca de 40 anos num cofre da Divisão de Manuscritos no terceiro andar da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, sem possibilidade de consulta. De acordo com funcionários da seção, somente em 1995 o documento foi liberado ao público. Até então, dividia espaço com canetas e outros objetos de celebridades intestinas da BN e volumes mais ou menos raros, ocultos como objetos para um museu ulterior. Mesmo assim, nenhum estudioso se comoveu com a folha porque ela era guardada com uma cópia de um artigo do crítico Eugênio Gomes, intitulado "Um inédito de Raul Pompéia", publicado em 10 de novembro de 1951 no jornal "Correio da Manhã". O artigo analisa o texto inédito e apresenta uma transcrição preliminar do manuscrito. O fac-símile da folha foi estampado na revista "Poesia Sempre", de outubro de 1895, sem comentários, com fins ornamentais. O artigo e a reprodução tiraram o fragmento do páreo junto aos caçadores de inéditos que alimentam a indústria de teses e dissertações acadêmicas. Além do que Pompéia saiu de moda na universidade, depois de "O Ateneu" ter sido entronizado por Afrânio Coutinho - o último grande especialista em Pompéia, falecido em 2000 - como iniciador do Impressionismo no romance brasileiro e comparado ao livro "Chansons de Maldoror" (1868), de Lautréamont, por Leyla Perrone-Moisés, em "O Ateneu: Retórica e Paixão", de 1988; como era moda na época, a crítica denominou o livro de "antropofágico". Mesmo fora da onda e tendo nada a ver com Oswald de Andrade, "O Ateneu" permanece como base da ficção supra-realista nacional. Traz a sátira ao sistema educacional e ao meio social - o "ouriço invertido", espinhando quem dele toma parte - do Brasil do Segundo Império, um país que o narrador define em termos nada carinhosos: "Charco de 20 províncias, estagnadas na modorra paludosa da mais desgraçada indiferença." Seus 12 capítulos exibem um "tom de pânico", nos termos forjados ainda em 1889 pelo crítico Araripe Júnior, que se expande numa escritura "quebrada" semelhante às imagens de lanterna mágica. Araripe Júnior ensina que Pompéia confeccionou "gnomos verbais" cuja energia de expressão se fundamenta na "impropriedade dos vocábulos". Em 1943, Mário de Andrade denominou a obra de "biografia intelectual". Para José Guilherme Merquior, em "De Anchieta a Euclides", de 1979, ela narra uma paixão e reflete a personalidade "fragmentária e camaleônica" do autor. Em "Prosa de Ficção, de 1870 a 1920", publicado em 1950, Lucia Miguel-Pereira vê no livro o segredo do destino de Pompéia. Para ela, o romance traça o "drama da solidão" de um menino tímido e hipersensível. Pensa que não é romance de tese, apesar de defender uma - a de que os internatos massacram a sexualidade: "Não faz o feitio de Sérgio depender das suas condições físicas e, se apresenta a homossexualidade como quase geral entre rapazes privados de contatos femininos, não a explica em termos biológicos; aliás, não explica nunca coisa alguma."Não bastasse a megafortuna crítica, o romance recebeu pelo menos duas edições "definitivas", confrontadas com os originais: a de Afrânio Coutinho (Civilização Brasileira, 1981) e a de Therezinha Bartholo (Livraria Francisco Alves, 1976). Esta edição comentada é, apesar das críticas de Coutinho, a mais completa, pois se debruçou sobre os originais de 126 páginas que o autor vendeu à Alves & Cia., juntamente com 43 desenhos a crayon (mais tarde vendidos à BN), por um conto e meio de réis em junho de 1894. Ao examinar as nove edições "oficiais" anteriores, lançadas de 1905 a 1956, Therezinha concluiu que o original emendado pelo autor havia sido desrespeitado. Este já consistia em uma cópia tipográfica. Munido dela, Pompéia fundiu e separou parágrafos, reposicionou os pronomes átonos e corrigiu palavras e nomes próprios. Ao todo, 18 modificações não haviam sido incorporadas à edição canônica. Elas foram restituídas à versão de 1976. A prova supostamente desapareceu em um incêndio da editora, no fim dos anos 70. O esgotamento das leituras, a consolidação do texto e a morte dos principais estudiosos levavam a supor que o tema estava encerrado. Só que nenhuma das edições de "O Ateneu" menciona o fragmento da Biblioteca Nacional. De fato, ele não tem o condão de alterar o destino e muito menos o arcabouço de "O Ateneu". Sugere, porém, uma nova leitura sobre fatos e motivações estéticas em que a obra foi engendrada - aspecto que Gomes intuiu. Considerou que, "pelo imprevisto da idéia original da narrativa autobiográfica", o trecho era uma revelação a ser canonizada pela crítica. Mas não obteve repercussão e seu texto se converteu em raridade. Eugênio Gomes (1897-1972) calhou ser o literato certo para a ocasião. Teve acesso ao texto porque foi diretor da Biblioteca Nacional entre 1951 e 1956. No período, o teórico baiano se valeu do cargo para fazer descobertas, que anunciou em brilhantes artigos de jornal. Entre outras façanhas, achou uma carta de Byron e, machadiano que era, o manuscrito da peça "Forcas Caldinas", de Machado de Assis, jamais encenada. No artigo sobre Pompéia, informa que a folha foi doada à BN pelo historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927). A partir desse ponto, três fatos intrigantes se justapõem. Capistrano foi amigo de Pompéia. Quando este estreou no romance com "Uma Tragédia no Amazonas", editado pela Typogaphia Cosmopolita, em 1880, Capistrano profetizou que Pompéia se devotaria à narrativa esteticista. A incerta altura da década de 1880, Capistrano perdeu um artigo de jornal que o amigo lhe confiara; pode ser até que tenha extraviado e reencontrado a folha com o início de "O Ateneu". O fato gerou fúria e o rompimento com Capistrano. O segundo fato está em Pompéia ter sido diretor da Biblioteca Nacional, tal como Eugênio Gomes. Apoiou a ditadura de Floriano Peixoto e foi convocado a dirigir a instituição. Ocupou o cargo de 21 de junho de 1894 a 30 de setembro de 1895 e foi exonerado no primeiro despacho do novo presidente da República, Prudente de Moraes. A terceira situação é que, atormentado por um artigo injurioso de outro ex-amigo, Luiz Murat, e do adiamento da publicação de um texto seu em "A Notícia", Pompéia se suicidou, aos 32 anos, na tarde do Natal de 1895. Seu bilhete dirigia-se ao jornal para o qual colaborava, aliás gratuitamente: "À 'Notícia' e ao Brasil declaro que sou um homem de honra." Atribuía alta importância aos tipos impressos e a seus escritos. Como se dizia naquele tempo de classificações lombrosianas, tratava-se de um "nevrótico".Publicado originalmente no "Caderno Fim de Semana" da Gazeta Mercantil, a 18 de maio de 2001
sábado, 11 de junho de 2011
A blague do blog
Tornou-se famosa a blague do magnata da mídia Assis Chateaubriand, o Chatô, que costumava ralhar com seus empregados: “Quem quer ter opinião, que compre um jornal!”. Hoje, quem quer ter opinião só precisa “postar” num blog na internet.“Blog” é a corruptela de “weblog”, diário da Web, termo inventado em dezembro de 1997 pelo nerd e teórico americano Jorn Barger. Ninguém tem de saber linguagem ASP, PHP ou a já anciã HTML para publicar num blog; ele não passa de um site simplificado, organizado em ordem cronológica, com recursos básicos dos sites, como possibilidade de dar upload (carregar) de imagens e links. A ferramenta, grátis, revela-se tão fácil quanto um programa de e-mail sediado na web. Tecnicamente, o blog, instrumento público, transforma qualquer usuário da Internet em emissor de idéias, em “blogueiro”, como se diz no jargão internético local, ou “blogger”, na expressão consagrada em inglês. Há dezenas de sites que fornecem gratuitamente espaço para blogs. É fácil deduzir as conseqüências da facilidade: proliferam blogs como baratas Internet adentro, alguns deles com cérebro de insetos. Outros atuam feito bombas de dissuasão/persuasão. É preciso compreender se o fenômeno é modismo ou representa a sonhada democratização dos meios de comunicação. A blague do blog é que, a despeito de seu amadorismo fragmentário, ele está balançando as estruturas da imprensa. De um salto, os blogs grudaram as ventosas na jugular do “quarto poder”, sugando seu sangue e sujando seu nome. Isso porque o assunto favorito dos blogueiros tem sido a mídia. Blogs são “fantasy shows” contra a imprensa. A exemplo do Napster, que livrou a música do CD e quebrou o show business, os blogs provocam a metástase das palavras e podem levar a mídia à bancarrota. Jamais a espetacularização da informação foi tão anarquizada quanto com o advento do blog. A curiosidade do internauta não resiste. A blogagem triunfa porque chamou a atenção da imprensa – ela própria feitora de blogs às ocultas em redações. E pensar que os blogs começaram como esconderijo de adolescentes onanistas nos idos de 1994... Na época, a Netscape lançou o primeiro navegador com interface gráfica. As homepages ganharam relevo, principalmente com o site Geocities, que oferecia (e ainda oferece) hospedagem gratuita de sites. Naquele tempo não se falava em “portal” nem em blogs. Milhões desenvolveram páginas pessoais. Mas elas exigiam do usuário algum conhecimento de linguagem HTML, o que significava “pegar o touro com a unha” e montar vírgula com rotinas e códigos. Logo os pré-blogueiros caíram do touro bravo e até hoje sites-zumbis, com sintaxe arcaica, erram clamando por um log-off de misericórdia. Em 1997, nerds simplificaram o processo, oferecendo modelos pré-fabricados, os blogs. O site Infosift foi o primeiro a compilar weblogs como categoria à parte. Em 1999, apareceram ferramentas que melhoraram a operação. Resultado, a comunidade blogueira sofreu um pop-up em escala malthusiana. Onã foi o deus fundador da genealogia blog. Diários íntimos deram a largada. Avatares de cartoons comentavam clipes no anos pré-MP3. As mulheres encontraram na ferramenta o meio ideal de ampliação de suas febres eróticas. Na extrema-unção da década de 90, era fácil topar com precursoras do livro A Vida Sexual de Catherine M. – que não passa de um blog às antigas em papel. Os aliases, como são chamados os pseudônimos na Web, viraram procedimento comum. Os blogs se expandiram para todos os fins e línguas: diários íntimos, receituários, blogs de escárnio e maldizer, de amigo, de comentários sobre blogs, blogs de blogs de blogs. Ao sol do caos, a árvore cresceu frondosamente. Dados do site de busca Blogdex, do MIT, da conta de mais de 500 mil blogs no ar no mundo. Três anos atrás, segundo a mesma fonte, havia 23 weblogs. O site BlogTree escrutina as árvores genealógicas de blogs. Ostenta hidras com milhões de cabeças que engendram outras tantas. O fato atual peculiar reside no deslocamento da expressão subjetiva para o plano da circulação pública de informação. A opinião, esta quimera, foi promovida à carta magna da nebulosa blog. A intimidade escancarada do diário dá lugar ao questionamento da mídia, à agonística – a luta pela leitura crítica – no mundo impalpável da Rede. Onã anseia em ser Aeropagita, polemista de grandes causas, e debater-se no areópago gigantesco da infovia. É lícito remeter a discussão à Aeropagítica, de John Milton, discurso que o poeta proferiu em 1644 no parlamento britânico pela liberdade de imprensa. Cria Milton que o saber é um processo dinâmico, construído com opiniões e deslizes que alumiam o progresso: “Onde é grande o desejo de aprender, é também grande a necessidade de discutir, de escrever, de ter opinião. Porque a opinião, entre homens de valor, é conhecimento em formação”. O opínio-onanismo da cultura blog ganhou impulso na razão direta das megafusões das empresas de comunicação, na virada deste século. Quanto mais fortes e automáticas as corporações, mais bagunçada soa a ala blog. AOL-Time Warner contra o gonzo – imprensa de gozação surgida nos anos 70 nos EUA. O fundador do gonzo journalism, o americano Hunter S. Thompson, cunhou um aforismo sobre sua atividade e que serve como profecia: “Quando as coisas ficam bizarras, os bizarros viram profissionais”. Adentrar a selva selvaggia dos blogs pode ser uma expedição desgastante, mas hilária. Há uma profusão de brasileiros blogados 24 horas, morando na rede, transmitindo notícias e boatos, exaltando o palavrão e a gíria. Embaralham expressão, opinião e diálogo. Blogs perigam degenerar em monólogos lunáticos. Reclama-se da ausência de ética de alguns. Mas talvez o que mais lhes falte é talento. Há os que se ocultam em aliases, como as garotas ousadas dos anos 90, para destilar verrinas. Protegem-se no anonimato, causando distorções, pois há os que usam a máscara para enxovalhar a vizinhança. São centenas de blogs intrusivos dedicados a tal fim – e os mais visitados. Existe, porém, uma maioria de blogs responsáveis. Jornalistas blogaram porque viram sua seara sofrer concorrência nerd, para não falar da crise na profissão. Pena que usem blogs como sites tradicionais. Os bloggers desejam ser vistos como heróis da contracultura deste início de século. O medo deles é de que ocorra uma invasão da civilização off-line. Esforçam-se para se manter na idade adâmica do vale-tudo e separar blogueiro de jornalista. Se o nome é o patrimônio do jornalista, o alias é o do blogueiro. Até agora, a Rede passou incólume às garras da lei. Blogueiros não temem a dura lex... Talvez lhes falte senso de responsabilidade. Mas os conteúdos mudam e blogs se profissionalizam. O resultado é que os bizarros teimam em ser ainda mais absconsos. No pólo oposto, Globo e iG lançaram serviços de blog, seguindo a mídia internacional, que percebeu o perigo da agitação da opinião pública causado pelos blogs e está tratando de domesticá-los e anexá-los. É o caso do jornal inglês The Guardian, cujo blog, mantido pelos jornalistas do veículo, é melhor do que o site. A rede MSNBC também tem o seu, apresentado por seus melhores âncoras. A internet jogou de tal forma os meios de informação na vala comum, que é impossível vigiar conteúdos. Blogs são filhos do descontrole. Os megagrupos querem tragá-los para reorganizar sua essência. Hoje, como no tempo de Chatô, os meios de comunicação são instrumentos de domínio da opinião. A dos articulistas pode não representar a do dono, mas é chancelada por ele. Traz um imprimatur em marca d’água. Qual a diferença entre um blog attachado a uma gigacorporação e os portais que elas sustentam? Nenhuma, salvo a rapidez da operação. Os blogueiros têm furado os portais noticiosos; é urgente manietá-los. Ainda que se avizinhe uma batalha entre a razão off-line e a fantasia internética, blogs continuam sendo ferramentas que proporcionam a sensação da liberdade de expressão, infensos à censura do imprimatur. Muitos blogs fazem a apologia da opinião leviana, mas abrem uma válvula de escape necessária em um universo tecnológico, autômato e irrespirável. Os fatos resultam cada vez mais bizarros e a realidade perde o pé no universo virtual. Ao preço de não abdicar do sacramento do livre pensar, todos nós, profissionais ou não, talvez tenhamos de nos converter em gonzos. E nos aturarmos uns aos outros.Originalmente publicado na revista Bravo! de setembro de 2002.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Quem vê carro quer ver coração
Sou devagar no carro, não acelero muito talvez para não sentir o tempo passar. Os outros são diferentes, e não formam exatamente o paraíso que inventei em alguma história. É isto: ao dirigir o carro, escrevo mentalmente histórias, que podem ser chamadas de crônicas porque no Brasil poema em prosa é crônica. Sim, estou distraído no meio do trânsito, os outros buzinam e sou puxado por todos os lados, tenho de acelerar e parar quando me forçam a isso. O clima está meio frio, as janelas de todos os veículos estão fechadas. É um hábito recente, derivado do excesso de violência e assédio nas esquinas.
Lembro que não havia solidão no trânsito quando todo mundo andava de janela aberta, batia papo com o motorista do carro do lado, ou mesmo o insultava com ímpeto. Eu gostava de observar a madame nervosa que esnobava os outros de seu carrão alto; o mocinho que, ao volante, enchia o peito se fingindo de adulto; o profissional paramentado para ir, todo ereto no banco, ao trabalho; o mano dançando com som alto; a mãe que transportava um enxame de filhos barulhentos, mais o cachorro tomador de vento; o folclórico velho de chapéu que rareia, até porque chapéu voltou à cabeça dos jovens... Essa divertida fauna sobre jaulas motorizadas sumiu para dentro dos veículos superprotegidos, que mais parecem incubadoras ou foguetes. Hoje, as pessoas se esconderam por trás do insufilm – já quase não é possível observar o quem está dentro dos carros.
Talvez para compensar o isolamento, começaram a surgir adesivos nas traseiras dos carros. São adesivos de identidade, de todos os tipos e feitios. Eles pretendem obviamente revelar as personalidades, os gostos e até os origens do motorista e dos passageiros. Os carros agora querem dizer coisas específicas, enviar mensagens determinadas para quem está fora e em volta. Os bairristas exibem orgulhosamente as bandeiras de seus estados, só mesmo conhecida e compartilhada por seus concidadãos. Descubro hordas de gaúchos pela cidade, já que muitos fazem questão de usar a bandeira verde, vermelha e amarela do estado, que eu conheço por ser de lá (confesso: eu próprio já usei a bandeira farroupilha no meu carro, para assim ser reconhecidos pelos conterrâneos, e só por eles). As gentes manifestam sua fé, ao grudar no carro símbolos religiosos: cruzes, peixes (sabe-se que é um carro evangélico), estrelas de Davi, terços de imagens da Virgem Maria. Curiosamente, para falar na religião mais forte do pais, poucos ousam exibir símbolos de times de futebol, por medo de depredação da torcida rival. Médicos e advogados trazem suas respectivas credenciais simbólicas em suas respectivas traseiras. Parecem dizer: “olha o respeito, você aí!). Há aqueles motoristas que, ao contrário, espantam o medo ao querer infundir pavor, e se jactam de pertencer a algum clube secreto ou a uma tribo temível. Esses ostentam um símbolo como uma carranca amedrontadora. Como não temer a caveira do metaleiro, o distintivo de algum tribunal de alçada ou o esquadro e o compasso de um maçom veloz e intrépido?
Em tempos recuados, havia a filosofia dos parachoques de caminhão. Os caminhoneiros eram os maiores solitários do Brasil. Viviam longe de namoradas e da família. Só lhes sobrava um pouco de humor para compartilhar com quem os ultrapassava. Quantos aforismos maravilhosos não li em alta velocidade: “De pensar, morreu um burro, e, aposto que ainda não entendeu!” “Estrada reta é igual à mulher sem cintura, só dá sono.” “Divórcio é igual engenho, só devolve o bagaço.” “Há males que vem para pior.” “Se a prática conflita com a teoria, muda-se a teoria!” “Do frio do sul ao calor do norte, montado na morte, à procura da sorte” “Se a vida é um buraco, esta rua é cheia de vida”. Essas frases geniais dos caminhoneiro – que valem uma crônica à parte - estão desaparecendo das estradas, talvez porque tenham arranjado companhia fixa, talvez porque instalaram DVD-player na boleia, ou porque a nova ortografia aboliu a palavra “para-choque” e a substitui por uma feiosa “parachoque”. Com isso, os motoristas de caminhão estão perdendo o traço que os distinguia dos outros. Hoje a maioria usa o símbolo banal da companhia de seguros ou então os dizeres colados pelo dono da empresa de transporte com uma pergunta específica: “Como estou dirigindo? Ligue para...” Não existe mais metafísica nem mesmo no seu último baluarte: as carrocerias dos caminhões.
De um tempo para cá, noto que os carros e até os caminhões andam exibindo bonequinhos que representam um grupo de pessoas. São figurinhas simples, quase desprovidas de senso artístico que começaram a povoar todo tipo de veículo. Elas não estão ali apenas para fins de decoração, como anos atrás acontecia com Bart Simpson, Pink e o Cérebro e outros personagens de desenho animado. Não: as novas imagens têm um sentido específico, elas representam quem está dentro do carro, ou melhor, quem o ocupa habitualmente: a conjuntos com pai, mulher e filhos; outros já trazem o gato e o cão; há os que incluem até a sogra no alegre grupo de passageiros. A moda pegou. Trata-se de uma nova forma de afetividade. É também uma forma de informar que dentro do carro tem gente, tem muita gente. E também de parecer inofensivo aos outros motoristas. Alguns especialista chegam a dizer que as “familinhas” põem os passageiros em perigo, pois assim os bandidos podem detectar facilmente quem está dentro do veículo que pretendem assaltar. É um pouco de paranoia desses experts.
Não vejo perigo nem desdouro nos adesivos de identidade. Eles são veículos de proteção e de aproximação, formas de expressão de credo, origem, profissão e vínculo. Nada mais. Aqui do meu carro lento, suponho que o problema não seja o que desejam dizer, mas o que evitam dizer: as figurinhas passaram a servir como substitutos das relações humanas reais. Funcionam como uma anestesia à solidão que, apesar de toda a nova iconografia, insiste em existir. Quem vê carro quer ver coração. Mas acaba por enxergar o vazio que quer se ocultar sob a aparência de algum sentido.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Sonho de regente
Até sonho às vezes com cães que me mordem no vazio da noite – e deve ser resquício infantil. Eu me lembro de ter sido mordido por um cão, e o sangue me vem à mente, sangue que eu derramei ao tropeçar, não que o cachorro tenha me mordido. Sou tomado por uma onda de horror e toda vez parece que não há saída. O sonho que mais me assalta, porém, é o que conto a seguir. E, claro, trata-se de um sonho com gente, estranha. O mesmo sonha com o mesmo, embora seja outro.
Está escuro, ouço o barulho e os risos de uma plateia que está ali em frente. Eu me encontrou nas coxias de um teatro. Alguém, um contrar-regra talvez, ou um ponto, me chama à cena. Limpo a garganta como se fosse cantar. Mas ao chegar à boca de cena descubro que estou de fraque e com uma batuta na mão direita. Vou reger uma orquestra. O público aplaude com barulho. Inclino-me e diviso a sala cheia, com quatro ou seis andares, não sei ao certo. Uma casa de ópera que pode lembrar Viena, ou Paris. Talvez não passe do cinema Ópera que eu frequentei quando criança, um antigo teatro de ópera na Serra Gaúcha. Não pode ser lá porque eu não estaria de fraque e nem a orquestra seria tão disciplinada. Tantos andares de balcões não havia...
A orquestra está toda a postos, os violinos de arco em riste, os sopros em posição de ataque, a percussão em suspense, esperando uma ordem. Minha. Lanço um olhar sobre os músicos, e percebo que o grupo é enorme, formação para tocar uma obra gigantesca. Um coro se posta diante dos instrumentistas. É peça de grande fôlego, algo pós-romântico. Quem sabe um poema sinfônico de Richard Strauss. Respiro fundo e tento me lembrar por que estou aqui.
Nenhuma lembrança me dá confiança. A sensação não é de amnésia, e sim de uma espécie de naturalidade diante do destino que me conduziu até este lugar. Parece outra vida. Eis-me aqui porque tenho que cumprir uma tarefa. E assim me dirijo ao pódio, dou as costas ao público, e leio a partitura que está disposta na estante: “Gustav Mahler – Simphonie N. 7 in E Minor - I. Langsam - Allegro risoluto, ma non troppo”. Nas páginas suavemente amareladas, os instrumentos estão distribuídos, a armadura da clave clara tudo pronto para a execução. Bato três com a ponta da batuta no canto da estante e dou o sinal erguendo-a até acima da cabeça, os braços bem abertos. Eu sei que vão me criticiar pelo gesto, porque maestro de verdade não faz assim. É contido, os braços quase presos ao corpo. A posição aberta parece indecorosa, desproporcional a meu talento.
Agora não é mais possível recuar, pedir desculpas ao público e me retirar, sob vaias e pateadas. Mesmo que eu fareje o pânico tentando dominar minha razão. Já não tenho certeza de que é sonho. Experimento o suor do medo real. Devo conhecer esta sinfonia de cor e por um instante procuro me lembrar de alguma gravação, para não ser surpreendido e dar o ataque errado. Preciso me lembrar, é um início desajeitado, esquisito, o mais estranho entre os das sinfonias mahlerianas. Há um episódio de tímpanos, aí vêm as cordas e os metais, acho que é assim, vamos lá..
Para meu espanto, a orquestra executa e desenrola o movimento com uma lógica irresistível, e parece até o fim, porque a peça anda aos fragmentos, segue o seu caminho de forma-sonata que se estilhaça no tempo. Tento gesticular, marcando o compasso com a batuta, e criar expressão com a mão direita. Mas é como se eu não tivesse controle algum sobre a música. Nem ela sobre mim. Á medida que a harmonia profunda se impõe à minha frente, encontro-me mais sozinho do que nunca entre músicos e ouvintes, esbraçando como um nadador que tenta não se afogar. E não é que a música continua sem mim, abandonando-me no meio do caminho?
Eu deveria ter assumido o papel e me mantido sobranceiro até o último compasso. Só que me perdi nadando de costas para o público, de frente para os instrumentistas. Se eu tivesse me comportado como um profissional e representado com segurança, ninguém teria me escorraçado como pária, intruso. O farsante teria sido ocultado pelo véu da pose, da batuta em riste. Sim, o fracassado sonha com o fracasso, mas não é o seu. Não pode ser o seu...
Tao da guia
É que um dia dsses a minha amiga Mônica (e pelo nome você já identifica a idade que tem, porque até nome tem safra e a safra das Mônicas é de longos anos atrás) me sugeriu pelo messenger que eu tomasse um suco gelado. “É longe”, digitei. O dia suava, mas não tomei suco, não andei nem me distraí. Tudo longe e muito quente. Tomar suco em São Paulo pode ser uma das missões mais difíceis. Ou comprar um parafuso. Pão. Pensamento: eu culpei a Mônica, porque ela não me convidou para o suco, pois estava a passeio em Dublim, longe daqui, na Irlanda. Ela deu a idéia de eu me divertir, numa daquelas semanas em que começo a resmungar que gostaria de saltar de mim mesmo no próximo ponto... mas saltar para quê, e para onde?
Não, leitor, não venha me acusar de pânico social. Pelo contrário, vivo de excesso de gente. Minha família é grande, estou sempre às voltas com parentes, contraparentes e amigos de amigos. Além disso sou jornalista, em contato com centenas de pessoas diariamente na redação – e não conheço nada mais enxameado de seres coisas e para fazer que uma redação. Ando mesmo é ocupado.
Não tenho hora nem ocasião de jogar uma bola ou nadar. Quando leio, vejo filme ou vou a um espetáculo, é para alguma reportagem. Sou como o ginecologista, que trabalha onde os outros se divertem. Só me resta mesmo me divertir onde os outros trabalham... Vivo numa mistura esquisita de espírito aventureiro e ostracismo. Pode me chamar de taoísta, de seguidor de Lao Tsé na prática da não-ação, uma não-ação turbulenta, vamos definir assim.
Mas agora, andando pela beira da calçada, sou tomado de euforia. Não importa embarcar no ônibus sem ter saboreado o refresco. Afinal, ao menos uma vez, tudo estava à mão. Percebo que longe e perto não são mais que preconceitos, reles noções geográficas que dependem do estado do espírito. E o meu espírito erra pela distância. Ou pela preguiça. Vou beber um suco pelo messenger em Dublim.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Palhaços e políticos
Era uma vez um país cujo governo aboliu o riso. O presidente baixou uma lei que vetou a seus cidadãos fazer piadas sobre os candidatos durante a campanha eleitoral. Os humoristas profissionais se entristeceram e protestaram, fizeram passeatas e denunciaram a censura. Berraram palavras de ordem até não mais poder. De nada adiantou. Mas o riso, como a primavera, não se refreia. E assim, nesse ínterim, para saciar a sede de comédia da população, os candidatos a cargos públicos passaram a se encarregar de fazer humor durante o programa eleitoral obrigatório, veiculado por emissoras de rádio e televisão. Como que sentindo falta de quem os esculhambasse, assumiram o papel de palhaços e fizeram o povo gargalhar. Não é de espantar que um humorista se destacasse – e deixasse seus colegas comendo poeira, embasbacados e impotentes.
Foi assim que o comediante cearense Tiririca, candidato a deputado federal por São Paulo, tomou a dianteira da campanha e lançou o bordão: “Vote no Tiririca. Pior que está não fica”. E outro: “Você sabe o que faz um deputado? Eu não sei mas vote em mim que eu te conto!” Outras celebridades televisivas vieram se juntar à trupe do nonsense, como a Mulher Pera, o costureiro Ronaldo Esper, o filho do apresentador Raul Gil e o lutador Maguila. Comediante ganha a eleição – e a piada.
Indignado com a nova ordem, um bando de humoristas se reuniu no último domingo em Copacabana, no Rio de Janeiro, para bradar contra a censura e, de quebra, a nova forma de monopólio sobre o humor. A manifestação, organizada pelo grupo Comédia em Pé, contou com as presenças de grandes humoristas, da turma dos programas Casseta & Planeta e Pânico a comediantes como Sérgio Mallandro e Bruno Mazzeo. Surgiu assim a stand-up comedy for your rights. “Humorista unido, jamais será comido!”, gritaram, enquanto desfilavam à beira-mar. “Iu, iu, iu! Tiririca nos traiu!” Outra palavra de ordem: “Um, dois, três! Quatro, cinco, seis! Sete, oito, nove! Dez, onze, doze...”
O Brasil é o país em que a mascarada precede a História, ou é a essência da própria História. A querela começou em 30 de setembro 1997, quando a Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República publicou a Lei nº 9.504, que proibe piadas e caricaturas de candidatos durante a campanha. O Artigo 45, inciso II da lei diz que é vedado a emissoras de rádio e televisão “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito.” Desde a gestão presidencial retrasada, ninguém pode fazer piadas sobre nossos governantes e nossos ínclitos candidatos. Em palavras menos jurídicas, são treze anos de censura ao exercício profissional dos humoristas. Como viver sem tirar sarro dos políticos e aspirantes a cargos executivos e legislativos? E como concorrer contra políticos palhaços, principalmente se você está amordaçado?
As histrionices de Tiririca podem ser engraçadas, mas evocam o travo do autoritarismo que arrastou o Brasil a seus momentos de maior terror. Não há lei que impeça que um político se valha de recursos jocosos para ridicularizar a si próprio e. em decorrência, à política como um todo. O que é, convenhamos, um gesto muito mais subversivo que o próprio humor profissional. O candidato que desqualifica a política age como um perfeito fascista. Ele descrê no Estado de Direito e na vida democrática. Seu gargalhar tem sabor de escárnio. O pior é que esse tipo de gente sempre encontra adeptos. Devemos de respeitar suas opiniões, pois, afinal, vivemos em uma democracia, ainda que sob censura. E aí temos de aturar candidatos monstruosos e ridículos, que fazem rir ao mesmo tempo que provocam nossa repulsa.
O brasileiro sempre fez piada com política. E a prática era bem mais saudável no passado. Em 1958, em São Paulo, o candidato a vereador Cacareco recebeu 95 mil votos e foi o vereador mais votado. Pena que se tratava de um rinoceronte. A ideia do lançamento da candidatura do rinoceronte foi de um jornalista, Itaboraí Martins, indignado com o baixo nível dos candidatos naquele pleito. Em 1988, o fenômeno se repetiu, dessa vez por obra dos comediantes do jornal Casseta & Planeta. Eles lançaram a candidatura a prefeito do Rio de Janeiro do Macaco Tião. O animal amealhou 400 mil votos e foi o terceiro candidato mais votado nas eleições municipais. Infelizmente, a urna eletrônica e as leis reguladoras acabaram com esse tipo de graça, impedindo que tais candidaturas ganhassem estatuto de realidade. Nos anos 90, veio a lei da mordaça da sátira. Progressivamente, perdemos o recurso do humor como intervenção na realidade.
Em países mais civilizados, como Estados Unidos, França, Alemanha e Argentina, jamais existiram Cacarecos e Tiões. E raramente a liberdade de expressão é impedida. A classe política desses países tem a imagem enxovalhada pelos programas de televisão. E os candidatos muitas vezes fazem questão de aparecer nesses programas, expondo-se ao ridículo, mas se defendendo como podem. Foi o que aconteceu em 2008 quando o então candidado Barack Obama apareceu em diversos shows de TV e soube usar a piada a seu favor. Também a candidata à vice-presidência dos Estados Unidos Sarah Palin foi convidada a aparecer no programa humorístico Saturday Night Life. Sarah topou e acabou contracenando com a comediante Tina Fey, que conseguiu personificar uma Sarah mais verdadeira que a candidata original. Nada pior que a censura para a reputação de um candidato democrático.
No Brasil, porém, os políticos e candidatos gozam da imunidade humorística. Podem zombar do eleitor, mas não ser alvo de pilhéria. Deu-se por aqui a separação de duas categorias que sempre viveram em saudável desarmonia: os palhaços e os políticos ou aspirantes à política. Agora quem quer ser palhaço precisa se candidatar a um cargo. Como resultado, palhaço e político atendem pelo mesmo título eleitoral. Ao contrário do bordão de Tiririca, pior que tá fica!
Era uma vez um país que se levava demasiadamente a sério. A suposta austeridade encobria o pavor que os políticos tinham de passar por ridículos. Temiam ser desmascarados. E assim a história da sátira política daquela nação foi varrida para debaixo do tapete.
Moral da história: na estrita observância da lei, ri quem pode, cala-se quem tem a piada na ponta da língua.
domingo, 2 de maio de 2010
A ninfa da Luz
Pois foram precisamente estas as palavras que a deusa do Parque da Luz sussurrou-me no último domingo. Eu passeava em torno do lago, quando me deparei com a linda moça nua, ligeiramente coberta por um pano, oferecendo o seio direito, sentada em cima de ma cabra. Ela sentiu minha presença, apesar de estar olhando para o lado. “Atrevida!”, pensei. Apesar de conhecê-la desde a infância, nunca havia prestado atenção em como Diana, como é chamada, era sensual e provocante... Ela então se queixou de não ter culpa de ter vindo ao mundo. “Não seja cínico”, continuou, adivinhando meus pensamentos. “Já não suporto o estado letárgico de mulher-objeto. Apesar de admirada, ninguém sabe nem meu nome, e sou testemunha das maiores barbaridades à beira deste lago!”
“Mas seu nome não é Diana?”, desconversei. “E tem quem chame você de deusa, ninfa...” Ela pareceu esboçar um sorrizinho malicioso, mesmo mantendo a pose contorcida. “Que nada! Eu me chamo Amaltéia. E esta aqui”, disse acariciando o animal, “é a cabra de Júpiter”. Contou sua história. Era uma réplica de uma escultura rococó que está no Museu do Louvre em Paris, símbolo da amamentação. Vangolriou-se: “A cabra e eu demos leite a Zeus!” Informou que a rainha Maria Antonieta encomendou a escultura para decorar seu castelo. Depois foi removida ao museu. “Em 1913”, prosseguiu, “tiraram um molde, fui criada e trazida para enfeitar este parque. E como era bonito o Jardim da Luz! Famílias vestidas para o domingo, ouvindo a banda do coreto... Hoje isto aqui virou uma imundície. Podemos ir embora com o senhor?”
Quando tive a sensação de que Amaltéia ia me abraçar, dei um jeito de sair sem dar vexame. Alinhei a roupa e me despedi dela e do animal com a máxima gentileza possível. Eu eu, que pensava que as estátuas eram as criaturas mais serenas desta cidade, posso jurar que a ninfa da Luz quis me seduzir... Quem mandou dar confiança a uma virgem de 95 anos?