sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Quem é Mick Jagger mesmo?

Uma biografia mostra que o roqueiro transgressor não passou de uma criação de palco – e que ele é um modelo de ambição, disciplina – e gosto por sexo

Quem vê hoje os shows de Mick Jagger pode não perceber que a figura  salvagem do mito do rock dos anos 60 não passa de uma construção de palco. Por trás do desempenho frenético do vocalista da banda inglesa The Rolling Stones, com seu ar de adolescente malcriado, oculta-se um senhor de quase 70 anos, dado a atitudes esnobes e hábitos aristocráticos, amante do luxo e de sexo, pai severo de sete filhos e avô de duas crianças, acostumado a manter um código de etiqueta escrito na era vitoriana para ser aplicado por sua criadagem nas suas diversas mansões e palácios espalhados pelo mundo.

Para decifrar o enigma das duas imagens conflitantes de Jagger e m revelar a sua face humana e íntima das máscaras que ele criou para si próprio, o escritor inglês Philip Norman levou três anos escrevendo a biografia Mick Jagger (Companhia das Letras, 624 páginas, R$ 49,50 ). “Na verdade, passei minha vida inteira escrevendo sobre duas bandas dos anos 60 que formam uma única saga: Beatles e Rolling Stones”, afirma Norman à Época. Aos 69 anos, ele foi jornalista de música e conheceu esses artistas no início de suas carreiras. Escreveu um livro sobre a história dos Beatles, em 1981, e a consagrada biografia John Lennon: a vida, em 2009. “Mick merecia uma biografia por ser a figura central da contracultura que explodiu em Londres em meados dos anos 60”, diz. “A ‘swinging London’ que rompeu a crosta vitoriana da cidade não teria sido a mesma sem o talento de Mick de fazer de si próprio o símbolo maior daquele tempo, uma espécie de Tirano do Cool, de lançador de modas e de padrões de gosto.”

Norman esperou por uma efeméride, os 50 anos da estreia da banda, para publicar a biografia, feita a partir de pesquisas e entrevistas. O paradoxo saltitante Mick Jagger e banda estarão de volta às turnês em novembro, quando os Stones iniciam a turnê 50 and counting, para comemorar o cinquentenário da banda. Eles lançam a coletânea Grrr!, com sucessos da carreira.  A comemoração está atrasada em relação à estreia dos Stones, em 16 de julho de 1962. Houve muita discussão entre os quatro membros da banda até chegar a um projeto viável. Eles formam a empresa de rock mais lucrativa do mundo e encaram a banda como tal.  De 1999 até 2011, os Stones ganharam 2 bilhões de dólares. Jagger deu a última palavra. Alguém esperaria menos do “Tirano do Cool”?

“Os Stones são um fenômeno de longevidade graças Mick,”, diz Norman. “No início, era um conjunto instável, que contou com mortes e a saída de dois integrantes, além do envolvimento com drogas e fugas do fisco. Não tinha nada para se manter. Foi o gênio de organizador de Mick que segurou os Rolling Stones ao longo dos anos. Além de seu talento artístico.” Segundo Norman, o problema de lidar com uma personagem pública como Mick é que ninguém sabe quem ele é, apesar de pensar que sabe: “Ele não ostenta duas faces, mas um número quase infinito delas. São tantas as camadas que ele justapôs ao próprio rosto que nos perdemos na tentativa de desmascará-lo. Ele conseguiu manter seu verdadeiro eu, bem mais complexo e interessante que suas máscaras”.

A personalidade de Mick resultou de sua formação tradicional. Ele contraria todos os estereótipos das celebridades da cultura pop, que construíram seus mitos a partir da pobreza, da rejeição e da privação. Michael Philip Jagger nasceu em uma família convencional de classe média, de pais devotados. A mãe, Eva,  uma esteticista australiana, despertou nele o gosto pela aparência. O pai, Joe, professor de educação física, orientou seus dois filhos, Mick e o caçula Chris, a cultivar o corpo. Mick contou com o apoio deles para seguir sua carreira quando passou na prestigiosa London School of Economics. E não tiveram como reclamar quando o garoto trancou a matrícula, já que ele era capaz de demonstrar que se tornaria milionário, no improvável papel de cantor de uma banda de blues.

Quando o estrelato chegou como a consequência de um silogismo lógico, Mick sobreviveu às tentações de seu tempo: as drogas pesadas e a militância política. Enquanto sua namorada, Marianne Faithfull, entregava-se à heroína e seus companheiros de banda Keith Richards e Brian Jones ao LSD, ele provava sem se jogar nelas. “Mick não gostava de fato de drogas”, diz Norman. “E não se viciou.” Quando todos os artistas daquele tempo participavam de passeatas pacifstas, Mick assistia a tudo de óculos escuros... e de longe.

Seu fraco sempre foi sexo. Hoje ele seria chamado de doente, mas os seus dois casamentos e centenas de casos com homens e mulheres parecem ter lhe servido como elixir da juventude.  “A carreira sexual dele é tão espantosa quanto a musical”, afirma Norman. “Ele se habituou a viver como um adolescente que não precisa tomar providências chatas da vida. E se acostumou a tratar as suas mulheres como lixo, até porque temia que muitas delas lhe roubassem o dinheiro. Mesmo assim, mostrou ser um pai a um só tempo disciplinador  e divertido. Seus filhos o adoram.”

Entre as descobertas de Norman, destacam-se três. A primeira é que Mick e Keith foram injustiçado pela polícia britânica. Além de serem acusados em 1966 de porte de drogas por meio de uma droga plantada por um tabloide, a estada deles em duas prisões diferente, ambas reconhecidas pelas condições terríveis, foi traumatizante. “Eles sofreram violência lá dentro”, diz Norman. A segunda diz respeito á onda de violência durante o show do autódromo de Altamont, em 1969. Mick foi culpado de proteger o bando  Hell’s Angels em seus atos de violência, que culminaram no assassinato de um jovem negro  por um integrante do bando enquanto Mick cantava. “Mas ele se portou com coragem, enfrentou os Hell’s Angels e tentou conter a violência naquela noite”, afirma Norman. Por fim, o papel do produtor Andrew Oldham na definição da identidade dos Stones também ganha nova luz. Foi ele que ele criou o clima de rivalidade e oposição entre os Stones e os Beatles. E foi fundamental para ajudar Mick a forjar a sua persona indomável.

Lançada em outubro no Reino Unido, a biografia obteve boas resenhas, embora alguns críticos tenham dizo que Norman fez um retrato positivo demais de Jagger. “Ele não se manifestou”, diz Norman. “Mick se comporta como um membro da família real britânica. Nunca responde a pedidos de entrevistas, não se manifesta e finge não se lembrar de nada do passado. Como disse o baterista dos Stones Charlie Watts, Mick não pensa no presente e no passado. Só no futuro. Ele continua o mesmo.

LAGiron

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