domingo, 22 de março de 2009

O passante que passa

A vida social a céu aberto está em extinção. Não exagero, porque numa megalópole como São Paulo a convívio, o espaço em que as pessoas se relacionam, já não se dá nas ruas.
Devo ser um dos últimos “flâneurs” desta cidade. Essa palavra francesa (“flâneur”) foi usada para designar o passeante, o sujeito do século XIX que andava com vagar, a observar a tipos urbanos, encantado pelas vitrines das lojas e engolfado pela multidão emergente. O surgimento de hábitos diferentes nas grandes cidades eletrizou escritores como Edgar Allan Poe em Nova York, Charles Baudelaire em Paris e até José de Alencar no Rio de Janeiro do Segundo Império. Nestes passeios meio cambaleantes pela guia das ruas, tento imitar os mestres e retratar São Paulo. Em geral, dou com os burros n’água.
Não há mais espaço civilizado para quem passeia nas ruas, ao menos por aqui. Em minhas excursões, tenho tropeçado nas calçadas, escorregado em lixo e visto coisas de dar dó ou medo. Caminhar a céu aberto virou ousadia. Os parques, por exemplo, viraram palcos de shos de malhação. Nos parques do Ibirapuera e Villa-Lobos, observo a ânsia lunática pelo desempenho atlético. Todo mundo corre, joga, sua, faz flexões, a pé, de bicicleta, patim ou patinete. Até os velhinhos trocaram o papo e a leitura do banco da praça pelo alongamento ou a fisioterapia. Todo mundo tem de ser saudável e belo. Que chatice!
Cansei de cruzar com gente musculosa de todas as idades e seus cães de raça. Nas ruas não há com quem puxar assunto. Já que não existe literalmente nada de novo sob o sol, tenho alterado meu trajeto tentado examinar os novos costumes nos locais em que a vida foi parar: lá dentro, nos shopping-centers. Posso dizer que há algo de novo sob a luz fluorescente: modas diferentes, gente que conversa, troca idéias e “fica”... sempre às pressas. É aos shoppings que se dirigem as multidões quando desejam se divertir. Elas têm necessidade de proteção, como um teto, um ar-condicionado e um monte de lojas, cinemas, cafés e restaurantes. Querem estar abrigadas no aconchego do consumo total. Alguém falou em cultura? Sinal dos tempos: os museus estão vazios, ao passo que as galerias dos shopping nunca estiveram tão lotadas.
O que um sujeito que gosta de caminhar e observar pode fazer? Circular por esses túneis de consumismo, contemplar as novas modalidades de beleza, os produtos e padrões de comportamento, ouvir o que e como falam. Passear pela velocidade, ver o efêmero escoar sem conseguir formular idéias. O “flâneur” de hoje se move dentro de infinitas paredes iluminadas. É ele próprio uma rápida passagem pelos eventos. Diferente de seus antecessores deslumbrados, ele se surpeende com o próprio desencanto diante do novo.

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