segunda-feira, 2 de junho de 2008

Balões e o culto ao fogo

Joca era o apelido do baloeiro mais famoso da Vila Hamburguesa. Ele era filho de um eterno aspirante a vereador do bairro, aquele tipo que distribui caderno e lápis para os pobres no começo do ano letivo, faz churrasco, quebra galho no posto de saúde – e nunca se elege. Joca, mesmo assim, tinha status de autoridade e se achava acima do bem e do mal. Ele e seus amigos achavam que tinham carta branca para fazer o que quisessem. Para eles, no final do século passado, a supremo rebeldia era soltar balão em junho.
Praticamente incendiavam a praça à frente da minha casa. Armados de querosene, papel, gravetos, latas e o que mais fosse necessário, faziam o balão subir. E o bando de transgressores com causa seguia o balão aos gritos e gestos exagerados. Quando ia longe o balão, acompanhavam de carro e moto até onde fosse possível. Uma caça ao infinito. Os vizinhos se alarmavam, porque podiam ser atingidos. A polícia prendeu os caras várias vezes – e sempre o paizão ia lá para liberar o moleque. Hoje, o Joca virou pastor. +Anda tão devoto que até Deus duvida. Como baloeiro, era um gênio. Como ministro de Deus, bem.. Reinventou-se. Está na moda.
Os balões não combinam com o século 21. São resquícios do culto primitivo ao fogo, que resulta hoje na festa de São João. O Joca, por exemplo, trocou a veneração pagã do fogo pelo cristianismo pentecostal. Os tempos mudam, mas os balões seguem voando sobre a cidade, embora em menor número. A polícia persegue os baloeiros porque seus engenhos causam danos. Outro dia caiu um balão no Centro Cultural São Paulo e parte do prédio incendiou. Mas os baloerios resistem Formam uma espécie de religião – e teimam em cultuar o fogo.
Não quero fazer a apologia do crime, mas balões tem um quê de lirismo. Um balão que sobe – na Zona Leste, eles ainda brilham nos sábados – é uma lembrança do sonho do homem em voar, de ir até a Lua munido gravetos, fio e papel de seda. A abolição do balão está pondo fim à última utopia. Será que não existe um modo de aperfeiçoar os balões e torná-los seguros, como se deu com os fósforos no século retrasado? Balões que subissem ao céus como altares votivos, sem causar incêndio... São João, por favor, entre no circuito, reinvente o balão e faça o Joca voltar a pecar.

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