Não há quem não se irrite com os motoboys. A começar por eles próprios, que parecem revoltados com a vida que levam – e descontam nos outros motoristas.. Em São Paulo, formam um exército de 200 mil integrantes. Uma estatística informa que morrem em média dois motoqueiros por dia na cidade. A cena é banal e terrível: o sujeito de capacete estatelado no chão, agonizando sob a indiferença rancorosa dos carros. É a guerra no asfalto.
Nem os pedestres escapam à sanha deles pela alta velocidade. Não raro, abatem um pedestre que tenta atravessar a rua. Semanas atrás quase fui colhido por um motoboy na avenida Europa, não longe do local onde o músico Marcelo Frommer foi fatalmente atropelado por um motoqueiro, no início do século.
Mas teimo, continuo a evitar o pânico social e sigo o caminho. Nos meus passeios pelas bordas das calçadas, observo o comportamento dos motoboys. Eles lembram seres sobre-humanos, anjos diabólicos do asfalto, enlouquecidos na “costura” que fazem entre os outros veículos, num zigue-zague dos infernos. Atravessam as avenidas congestionadas como se não possuíssem corpos, nem pilotassem máquinas. São o símbolo desta época em que o espaço està sendo abolido em nome do tempo. A aceleração das motos torna difuso o mundo em torno delas, borra os limites e converte o motoboy em uma espécie de mensageiro fantasma tão útil quanto perigoso.
Outro dia assisti em DVD ao documentário Motoboys – Vida Loca, de Caíto Ortiz. O filme confirmou minha convicção de que os motoboys vivem em conflito com os demais motoristas. Por força do trabalho insano e mal-remunerado, exibem um terrível mal-estar existencial. Daí para socar latarias e insultar cidadãos, é um simples cavalo-de-pau. Afinal, estão habituados a reinar nas ruas. O filme me revelou outro aspecto: o prazer com que eles trabalham e o poder que detêm. São necessários à economia. Se fizessem greve, paralisariam a cidade. Eles também antecipam o futuro: as motos deverão ganhar espaço no caos do tráfego e, um dia, poderão substituir os carros de passeio. Como diz o arquiteto Paulo Mendes da Rocha no filme, é irracional veículos que pesam toneladas transportarem motoristas que pesam de 60 a 80 quilos.
Pena os motoboys não terem consciência de seu potencial. Eles teriam tudo para se tornar heróis urbanos. Poderiam se engajar em trabalhos de socorro e projetos sociais. Como agentes de transformação, formariam o mais influente grupo profissional da cidade. Mas nada disso parece excitá-los. Eles só se unem quando se trata de formar gangues para defender o motoqueiro numa briga com outro motorista. Será que o cérebro deles esturricou sob os capacetes? Não notam que possuem superpoderes?!
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terça-feira, 23 de dezembro de 2008
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
HIstória e mancha
Desde 1970, já vi surgir e morrer cinco ou seis idéias de cidades na área que conheci como São Paulo. Ao passear pela cidade sinto como se caminhasse em múltiplos níveis. Essas camadas não são visíveis a olho nu, e sim pela memória. Estou agora no Centro. Faz algum tempo que não ando por aqui, então tudo sabe a novidade. O Centro dos anos 70 e 80 parece não existir mais.
Isso é só aparência, pois posso distinguir vestígios de projetos de cidade ainda mais remotos. Passo a andar no sentido anti-horário. No Bexiga a gente ainda pode ouvir o bate-estaca do punk e do pós-punk, em locais que sediaram casas noturnas “radicais”, como Madame Satã e Carbono 14, lembra? Consigo captar o nascimento do pólo pós-industrial dos serviços durante a década de 60 nas velhas galerias das ruas 24 de Março e Augusta. A metrópole da indústria dos anos 30 aos 50, quando São Paulo virou a “locomotiva do Brasil”, mora nos prédios Martinelli, Banespa e Copan. A Paulicéia Desvariada da Semana de Arte Moderna de 1922 encontra-se congelada na casa de Mário de Andrade, na rua Lopes Chaves, e no sobradinho kitsch de Oswald de Andrade na Consolação (que nos anos 80 sediou o Spazio Pirandello e agora está em ruínas). Eis a capital do café vibrando pelos viadutos do Chá e Santa Ifigênia e no famoso “triângulo” das ruas XV de Novembro, São Bento e Direita. As repúblicas de estudante do Largo de São Francisco e as mulheres de mantilha já não existem mais, mas a região da Igreja de São Francisco mantém o mapa dos antigos sobrados. e as vidas que os habitaram. Por fim, a origem: a São Paulo dos jesuítas e dos bandeirantes ainda pode ser espiada no Pátio do Colégio e no Mosteiro de São Bento.
Em alta velociade, viajei pelo ontem neste futuro.
Tudo aqui pode soar lugar-comum. Mesmo asssim, tudo possui um significado entranhado em cada rua e parede feito mancha profunda. História é a mancha que assombra os trajetos que a gente percorre. É desconcertante como os vetores da Geografia e da História se embaralham no vaivém pelo tempo. O espaço segue o mesmo, ou quase, em sua estrutura. As coisas e pessoas se modificam na superfície, mas os fundamentos da cidade continuam como nos séculos passados. Para usar uma distinção escolástica, a multidão de agora é a aparência a vagar pelos rasos da essência. E esta senhora silenciosa observa nossa agitação com um sorriso de quem adverte: “Caminhante, cuidado para não cair na ilusão do presente e assim perder a visibilidade dos desvãos do tempo!”
Isso é só aparência, pois posso distinguir vestígios de projetos de cidade ainda mais remotos. Passo a andar no sentido anti-horário. No Bexiga a gente ainda pode ouvir o bate-estaca do punk e do pós-punk, em locais que sediaram casas noturnas “radicais”, como Madame Satã e Carbono 14, lembra? Consigo captar o nascimento do pólo pós-industrial dos serviços durante a década de 60 nas velhas galerias das ruas 24 de Março e Augusta. A metrópole da indústria dos anos 30 aos 50, quando São Paulo virou a “locomotiva do Brasil”, mora nos prédios Martinelli, Banespa e Copan. A Paulicéia Desvariada da Semana de Arte Moderna de 1922 encontra-se congelada na casa de Mário de Andrade, na rua Lopes Chaves, e no sobradinho kitsch de Oswald de Andrade na Consolação (que nos anos 80 sediou o Spazio Pirandello e agora está em ruínas). Eis a capital do café vibrando pelos viadutos do Chá e Santa Ifigênia e no famoso “triângulo” das ruas XV de Novembro, São Bento e Direita. As repúblicas de estudante do Largo de São Francisco e as mulheres de mantilha já não existem mais, mas a região da Igreja de São Francisco mantém o mapa dos antigos sobrados. e as vidas que os habitaram. Por fim, a origem: a São Paulo dos jesuítas e dos bandeirantes ainda pode ser espiada no Pátio do Colégio e no Mosteiro de São Bento.
Em alta velociade, viajei pelo ontem neste futuro.
Tudo aqui pode soar lugar-comum. Mesmo asssim, tudo possui um significado entranhado em cada rua e parede feito mancha profunda. História é a mancha que assombra os trajetos que a gente percorre. É desconcertante como os vetores da Geografia e da História se embaralham no vaivém pelo tempo. O espaço segue o mesmo, ou quase, em sua estrutura. As coisas e pessoas se modificam na superfície, mas os fundamentos da cidade continuam como nos séculos passados. Para usar uma distinção escolástica, a multidão de agora é a aparência a vagar pelos rasos da essência. E esta senhora silenciosa observa nossa agitação com um sorriso de quem adverte: “Caminhante, cuidado para não cair na ilusão do presente e assim perder a visibilidade dos desvãos do tempo!”
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São Paulo
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Amigos ocultos
Fazer amigos que você não vê e nem verá é uma banalidade na internet. Mas a desmaterialização das relações humanas não é invenção deste tempo. Jà no meu, antes da popularizaçáo da “chateação” por laptops e celulares, o fenômeno já ocorria. E se deu comigo, por culpa do arcaico telefone fixo.
Aí por 1993 um poeta chamado Vicente Cechelero se apresentou a mim num telefonema. Ele me disse que havia obtido meu número de um amigo comum, o Fernando Dantas, colega da Letras-USP. Em um minuto, Vicente e eu viramos amigos de infância. E as ligações se tornaram freqüentes e longas. Noites adentro, contava a suas aventuras literárias. Quem disse que o “bit torrent” surgiu agora não conheceu o Vicente: ele era um jorro instantâneo e infinito de informação, sugestões de leitura e ditos impopulares.
Nas conversas, conheci sua personalidade: nasceu em Joinville, Santa Catarina. de onde “fugiu” em 1969, para se radicar na Paulicéia, pois brigara com meio mundinho literário sulista. Publicou dois livros. Era o modelo do bardo maldito, que eu não imaginava ainda existir. Declamava e cantava... música sertaneja. Entre as lições que me deixou, a mais comovente foi sobre o assunto. “Amo essas toadas”, disse. “Não as despreze. Porque ouvi-las é como andar por um prado cheio de flores silvestres. Há uma beleza singela nessa música.”
O poeta não tinha residência fixa. Havia anos morava no hotel Central, na avenida São João, e gostava de tomar ônibus e perambular pelas ruas, em busca de sebos, estupores e lendas. Certo dia jurou que queriam despejá-lo do hotel, não por falta de pagamento, mas porque ratos e cupins povoavam seu quarto, empoeirado e atulhado de alfarrábios, inclusive egípcios... Seria verdade?
Foi a sua derradeira ligação. Só me dei conta meses depois. As ocupações nos afastam dos amigos – mais ainda os virtuais. O que lhe teria acontecido? O século estava prestes a se encerrar quando o Fernando me informou, por telefone, que Vicente havia morrido, em Santa Catarina, de um ataque cardíaco, enquanto cantava e declamava à beira do leito de sua mãe enferma. Tinha 50 anos. “Mas o Vicente é estranho”, observou o Fernando. “Leu demais os contos fantásticos Borges. Talvez ele tenha, borgianamente, simulado a morte e se escondido por aí, para escrever em paz.” Assim perdi um amigo que nunca vi. E tenho dúvida se existiu de fato, ou teria sido um trote do Fernando. Jamais saberei, pois Fernando também se foi. Quero crer que ele, feito Vicente, ande incógnito por aí...
Aí por 1993 um poeta chamado Vicente Cechelero se apresentou a mim num telefonema. Ele me disse que havia obtido meu número de um amigo comum, o Fernando Dantas, colega da Letras-USP. Em um minuto, Vicente e eu viramos amigos de infância. E as ligações se tornaram freqüentes e longas. Noites adentro, contava a suas aventuras literárias. Quem disse que o “bit torrent” surgiu agora não conheceu o Vicente: ele era um jorro instantâneo e infinito de informação, sugestões de leitura e ditos impopulares.
Nas conversas, conheci sua personalidade: nasceu em Joinville, Santa Catarina. de onde “fugiu” em 1969, para se radicar na Paulicéia, pois brigara com meio mundinho literário sulista. Publicou dois livros. Era o modelo do bardo maldito, que eu não imaginava ainda existir. Declamava e cantava... música sertaneja. Entre as lições que me deixou, a mais comovente foi sobre o assunto. “Amo essas toadas”, disse. “Não as despreze. Porque ouvi-las é como andar por um prado cheio de flores silvestres. Há uma beleza singela nessa música.”
O poeta não tinha residência fixa. Havia anos morava no hotel Central, na avenida São João, e gostava de tomar ônibus e perambular pelas ruas, em busca de sebos, estupores e lendas. Certo dia jurou que queriam despejá-lo do hotel, não por falta de pagamento, mas porque ratos e cupins povoavam seu quarto, empoeirado e atulhado de alfarrábios, inclusive egípcios... Seria verdade?
Foi a sua derradeira ligação. Só me dei conta meses depois. As ocupações nos afastam dos amigos – mais ainda os virtuais. O que lhe teria acontecido? O século estava prestes a se encerrar quando o Fernando me informou, por telefone, que Vicente havia morrido, em Santa Catarina, de um ataque cardíaco, enquanto cantava e declamava à beira do leito de sua mãe enferma. Tinha 50 anos. “Mas o Vicente é estranho”, observou o Fernando. “Leu demais os contos fantásticos Borges. Talvez ele tenha, borgianamente, simulado a morte e se escondido por aí, para escrever em paz.” Assim perdi um amigo que nunca vi. E tenho dúvida se existiu de fato, ou teria sido um trote do Fernando. Jamais saberei, pois Fernando também se foi. Quero crer que ele, feito Vicente, ande incógnito por aí...
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
A oitava maravilha
Os paulistanos andam meio chateados com o fato de São Paulo não ter um monumento para figurar entre as Sete Maravilhas do Mundo Moderno. Pior, o Cristo Redentor ganhou a eleição e agora figura entre as maiores atrações do planeta. Mas será que haveria por aqui um rival para a beleza art-déco do Cristo – sem falar do impacto da paisagem que envolve a estátua carioca? .
A mentalidade daqui sempre foi ignorar tanto os monumentos como a natureza. Existe o prazer dominante de desprezar ornamentos. Agora a feiúra virou até atração turística. O grupo Parlapatões lançou na semana passada o passeio O Pior de São Paulo. O ônibus da excursão sai da Praça Roosevelt nos fins de semana. Durante seis horas, os atores da trupe e turistas percorrem os pontos mais horrorosos de uma cidade rica nesse tipo de desatração. Não há roteiro definido. O negócio é improvisar e espantar com novos sustos. Os Parlapatões copiam a idéia de um comediante de Madri. A capital espanhola é repleta de lugares lindos é só uma graça a mais. Em São Paulo, o desafio seria o contrário: encontrar pontos bonitos. Tarefa difícil, talvez, mas não impossível.
Um dos lugares mais citados como símbolo do mau-gosto e que se tornou ponto obrigatório do tour Pior de São Paulo é a estátua de Borba Gato, em Santo Amaro. Inaugurada com “pompa” (leia-se: desfile de índios e alunos de escola) em 1963, a obra do escultor Júlio Guerra levou seis anos para ser concluída - prova de que nem sempre o esforço de um artista dá em obra-prima. Na verdade, o resultado é um monolito de cimento de 10 metros de altura, revestido com pedras de mármore e basalto. Representa o bandeirante Manoel de Borba Gato, chefe dos paulistas na Guerra dos Emboabas, contra os portugueses. Chama a atenção o aspecto tosco do vulto histórico, conhecido como “o guardião de Santo Amaro”, em posição de sentido, com chapéu e trabuco e chapéu. Deve agradar às crianças. Afinal, é uma espécie de Shrek à paulista.
Soube que os santamarenses fundaram um movimento pela candidatura de Borba Gato à Oitava Maravilha do Mundo. Isso porque a obra provoca debate. Há quem a venere como símbolo máximo do Brasil, com direito de figurar ao lado do Cristo e a cidade de Petra. Há quem a abomine. O movimento não deixa de ser corajoso. Uma coisa é certa: se houver o campeonato dos Sete Espantos do Mundo, estaremos bem representados!
A mentalidade daqui sempre foi ignorar tanto os monumentos como a natureza. Existe o prazer dominante de desprezar ornamentos. Agora a feiúra virou até atração turística. O grupo Parlapatões lançou na semana passada o passeio O Pior de São Paulo. O ônibus da excursão sai da Praça Roosevelt nos fins de semana. Durante seis horas, os atores da trupe e turistas percorrem os pontos mais horrorosos de uma cidade rica nesse tipo de desatração. Não há roteiro definido. O negócio é improvisar e espantar com novos sustos. Os Parlapatões copiam a idéia de um comediante de Madri. A capital espanhola é repleta de lugares lindos é só uma graça a mais. Em São Paulo, o desafio seria o contrário: encontrar pontos bonitos. Tarefa difícil, talvez, mas não impossível.
Um dos lugares mais citados como símbolo do mau-gosto e que se tornou ponto obrigatório do tour Pior de São Paulo é a estátua de Borba Gato, em Santo Amaro. Inaugurada com “pompa” (leia-se: desfile de índios e alunos de escola) em 1963, a obra do escultor Júlio Guerra levou seis anos para ser concluída - prova de que nem sempre o esforço de um artista dá em obra-prima. Na verdade, o resultado é um monolito de cimento de 10 metros de altura, revestido com pedras de mármore e basalto. Representa o bandeirante Manoel de Borba Gato, chefe dos paulistas na Guerra dos Emboabas, contra os portugueses. Chama a atenção o aspecto tosco do vulto histórico, conhecido como “o guardião de Santo Amaro”, em posição de sentido, com chapéu e trabuco e chapéu. Deve agradar às crianças. Afinal, é uma espécie de Shrek à paulista.
Soube que os santamarenses fundaram um movimento pela candidatura de Borba Gato à Oitava Maravilha do Mundo. Isso porque a obra provoca debate. Há quem a venere como símbolo máximo do Brasil, com direito de figurar ao lado do Cristo e a cidade de Petra. Há quem a abomine. O movimento não deixa de ser corajoso. Uma coisa é certa: se houver o campeonato dos Sete Espantos do Mundo, estaremos bem representados!
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Crianças quase-adultas
São tantas as mudanças que chega o dia em que o arcaico vira atual. Até início do século 20 as crianças eram educadas como pequenos adultos. Os meninos se vestiam com terno e gravata. As meninas pareciam as avós em que a longo prazo se transformariam – e de fato se transformaram em nossas avós. As crianças já estavam preparadas para o mundo real. Depois, a infância se alongou a ponto de todo mundo ter virado um pouco pueril. Mas agora as coisas mudaram. As crianças estãovirando, trajando e consumindo como adultas.
Basta passear agora mesmo por algum shopping center. A gente vê hordas de adultos miniaturizados, a circular em bandos. São meninos e meninas de 5 a 10 anos que andam desacompanhados e se comportam como um sindicato. São os chamados tweens, a tribo urbana que ganhou definição há três anos, com o musical de televisão High School Musical. O termo vem do inglês “between” e define quem passa pela transição entre a infância e a adolescência. Os tweens invadiram os mutliplexes para ver HSM3, o derradeiro musical que retrata uma turma de meninos cantores e dançarinos, chefiados pelo vênus azulado Zac Efron.
No último fim de semana, a estréia de HSM3 correspondeu ao auge da 32ª Mostra de Cinema. Num shopping, eu esperava na fila da Mostra para ver o longa Uma Rua Chamada Brick Lane. Eu integrava a turma “cabeçuda”: universitários e intelectuais. Ao lado, numa fila maior, posicionavam-se os míni-rappers e miniperuas, esperando com excitação para gritar e dançar com Zac.
Passei os últimos 16 anos acompanhando minhas filhas ao cinema – e me acostumei a tudo quanto foi filme infantil. Elas cresceram, mas a mais nova, de 14 anos, é fã de HSM3. E ficou um pouco tímida de seguir a turma mais nova. Preferiu ir com a gente a Brick Lane. O HSM3 exerce um efeito regressivo junto ao público. É o contrário de Harry Potter. Os fãs do mágo cresceram com os atores do filme, e os seguem até hoje. É quase o mesmo público de HSM3. Só que o musical avançou sobre os mais novos. Assim, recuou no público-alvo, ao passo que deixou abandonados os fãs iniciais. A platéia de HSM3 hoje é muito mais nova que a de três anos atrás. Os tweens já englobam crianças adultinhas de 4 anos!
Se eu tivesse filhos pequenos hoje e tivesse de largá-los fantasiados nos shoppings, acho que enlouqueceria.Tenho a impressão de que a infância foi roubada e a substituíram pela grife tween.
Aonde isso vai parar? Em nenhum lugar, porque nunca vai parar. Continuo gostando do Corcunda de Notre Dame e da Pequena Sereia. Me sinto mais criança que as crianças de hoje...
Basta passear agora mesmo por algum shopping center. A gente vê hordas de adultos miniaturizados, a circular em bandos. São meninos e meninas de 5 a 10 anos que andam desacompanhados e se comportam como um sindicato. São os chamados tweens, a tribo urbana que ganhou definição há três anos, com o musical de televisão High School Musical. O termo vem do inglês “between” e define quem passa pela transição entre a infância e a adolescência. Os tweens invadiram os mutliplexes para ver HSM3, o derradeiro musical que retrata uma turma de meninos cantores e dançarinos, chefiados pelo vênus azulado Zac Efron.
No último fim de semana, a estréia de HSM3 correspondeu ao auge da 32ª Mostra de Cinema. Num shopping, eu esperava na fila da Mostra para ver o longa Uma Rua Chamada Brick Lane. Eu integrava a turma “cabeçuda”: universitários e intelectuais. Ao lado, numa fila maior, posicionavam-se os míni-rappers e miniperuas, esperando com excitação para gritar e dançar com Zac.
Passei os últimos 16 anos acompanhando minhas filhas ao cinema – e me acostumei a tudo quanto foi filme infantil. Elas cresceram, mas a mais nova, de 14 anos, é fã de HSM3. E ficou um pouco tímida de seguir a turma mais nova. Preferiu ir com a gente a Brick Lane. O HSM3 exerce um efeito regressivo junto ao público. É o contrário de Harry Potter. Os fãs do mágo cresceram com os atores do filme, e os seguem até hoje. É quase o mesmo público de HSM3. Só que o musical avançou sobre os mais novos. Assim, recuou no público-alvo, ao passo que deixou abandonados os fãs iniciais. A platéia de HSM3 hoje é muito mais nova que a de três anos atrás. Os tweens já englobam crianças adultinhas de 4 anos!
Se eu tivesse filhos pequenos hoje e tivesse de largá-los fantasiados nos shoppings, acho que enlouqueceria.Tenho a impressão de que a infância foi roubada e a substituíram pela grife tween.
Aonde isso vai parar? Em nenhum lugar, porque nunca vai parar. Continuo gostando do Corcunda de Notre Dame e da Pequena Sereia. Me sinto mais criança que as crianças de hoje...
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Dia mundial sem nada
O Dia Mundial sem Carro, a acontecer no sábado 22, é uma idéia estimulante. Claro que pretendo aderir ao movimento, até porque não faço outra coisa que sair a pé aos sábados, escarafunchando os recônditos desta megalópole frenética, equilibrando-me entre as calçadas e as ruas, em busca de fatos inusitados. Virar um pedestre privilegiado me anima, até certo ponto.
No último domingo, assisiti na avenida Paulista a um atropelamento e constatei a banalidade da morte e do perigo, a frieza com que os outros passantes trataram o fato: a curiosidade mórbida ocupou o lugar da preocupação ou da solidareidade. Foi assustador. Bom saber que no próximo fim de semana poderei andar de modo mais livre... isso se as bicicletas não tomarem simplesmente o espaço dos carros e São Paulo virar a Pequim dos anos 70 por um dia. Talvez ser atropelado por uma bike seja mais ecologicamente correto do que por um veículo motorizado. Mas será que bicicletas solucionam o problema?
De tanto pensar em bicicletas, comecei a ficar com dúvida sobre a utilidade de um dia desses, consagrado ao não-carro. Talvez a efeméride não possa ir além da ligeira conscientização de que o sautomóveis fazem mal, poluem, são perigosos e cerceiam a liberdade de ir e vir do cidadão. Não seria a ocasião somente uma data utópica, uma entre as muitas que figuram no Calendário da Fantasia Humana? Além de tudo é sábado, um dia de lazer quando as pessoas querem virar por algum tempo bípedes e se ver livres dos veículos.
Pense comigo. Um Domingo Mundial sem Bicicleta não faria um efeito igualmente glorioso? Você há de concordar de que seria ótimo correr como gente em alguns parques, a gente livre do desempenho torto ou das trombadas dos ciclistas. E o Dia Mundial sem Motoboys? Quem sabe todos os problemas urbanos não se resolvessem sem esses desvariados condutores de motocicletas? Pode ser que o Dia Mundial sem Internet fizesse com que nossos filhos esquecessem o bate-papo virtual e voltassem a estudar. O Dia Mundial sem Chatos... sem Cachorros... sem Fubebol, sem Cobradores, sem Avião, sem Ecochatos, sem Documentos, sem Estado! Dá para sonhar também com o Dia Mundial sem Chefe. E por aí vai.
Ha realmente figuras e fatos cuja a ausência preencheria uma lacuna em nossas vidas. Por isso, vou sugerir a uma ONG qualquer o Dia Mundial sem Nada. Nesse dia, de preferência uma segunda-feira, a grande família humana será conclamada a não pensar em nenhuma coisa em particular. Aproveitará 24 horas para não trabalhar, não sonhar nem esperar o dia que virá, esquecer o próprio nome por alguns segundos. Quem sabe a gente acorde na manhã seguinte com alguma idéia que transforme o mundo de verdade?
No último domingo, assisiti na avenida Paulista a um atropelamento e constatei a banalidade da morte e do perigo, a frieza com que os outros passantes trataram o fato: a curiosidade mórbida ocupou o lugar da preocupação ou da solidareidade. Foi assustador. Bom saber que no próximo fim de semana poderei andar de modo mais livre... isso se as bicicletas não tomarem simplesmente o espaço dos carros e São Paulo virar a Pequim dos anos 70 por um dia. Talvez ser atropelado por uma bike seja mais ecologicamente correto do que por um veículo motorizado. Mas será que bicicletas solucionam o problema?
De tanto pensar em bicicletas, comecei a ficar com dúvida sobre a utilidade de um dia desses, consagrado ao não-carro. Talvez a efeméride não possa ir além da ligeira conscientização de que o sautomóveis fazem mal, poluem, são perigosos e cerceiam a liberdade de ir e vir do cidadão. Não seria a ocasião somente uma data utópica, uma entre as muitas que figuram no Calendário da Fantasia Humana? Além de tudo é sábado, um dia de lazer quando as pessoas querem virar por algum tempo bípedes e se ver livres dos veículos.
Pense comigo. Um Domingo Mundial sem Bicicleta não faria um efeito igualmente glorioso? Você há de concordar de que seria ótimo correr como gente em alguns parques, a gente livre do desempenho torto ou das trombadas dos ciclistas. E o Dia Mundial sem Motoboys? Quem sabe todos os problemas urbanos não se resolvessem sem esses desvariados condutores de motocicletas? Pode ser que o Dia Mundial sem Internet fizesse com que nossos filhos esquecessem o bate-papo virtual e voltassem a estudar. O Dia Mundial sem Chatos... sem Cachorros... sem Fubebol, sem Cobradores, sem Avião, sem Ecochatos, sem Documentos, sem Estado! Dá para sonhar também com o Dia Mundial sem Chefe. E por aí vai.
Ha realmente figuras e fatos cuja a ausência preencheria uma lacuna em nossas vidas. Por isso, vou sugerir a uma ONG qualquer o Dia Mundial sem Nada. Nesse dia, de preferência uma segunda-feira, a grande família humana será conclamada a não pensar em nenhuma coisa em particular. Aproveitará 24 horas para não trabalhar, não sonhar nem esperar o dia que virá, esquecer o próprio nome por alguns segundos. Quem sabe a gente acorde na manhã seguinte com alguma idéia que transforme o mundo de verdade?
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Ser paulistano é estacionar
Há coisas que só paulistano sabe fazer. Um forasteiro pode aprender algumas delas, mas há outras que são inimitáveis. O paulistano de verdade é refratário a influências externas. Observo isso o tempo todo.Esta cidade abriga gente de todas as partes do Brasil e do mundo. Moro na cidade há quase trinta anos, aqui fui bem recebido, trabalhei, casei e tive filhos aqui. Me considero paulistano. Só que pertenço à categoria dos paulistanos forasteiros – e de uma subdivisão ainda menor, a dos paulistanos sul-rio-grandenses. Tanto que já tenho até uma lápide preparada, para quando for enterrado no Cemitério da Goiabeira: “Aqui jaz L.A. Giron., jornalista gaúcho ‘erradicado’ em São Paulo”.
Sinto que ainda existe a distinção entre o paulistano de fato e os extracomunitários. Talvez a diferença tenha se dissipado com o tempo, até porque a partir dos anos 1920 os imigrantes tomaram a cidade e alteraram o seu DNA. Esses anos todos, peguei o sotaque e assimilei hábitos locais. Ser paulistano, enfim, é um processo. Mas sinto que existe uma fronteira que não vou poder atravessar. Faz parte dos traços da identidade do cidadão local que jamais irei incorporar totalmente.
Entre as habilidades possíveis de assimilar, posso citar umas cinco: a compulsão de formar filas instantâneas, a liberdade de encarar as pessoas na rua, a compulsão de pechinchar e fazer negócios, a capacidade de se divertir em espaços lotados ou de chegar aos lugares mais improváveis só com uma conversa no ponto de ônibus. Já consigo fazer tudo isso, não sem certa dificuldade...
Só que para mim é impossível aprender a principal aptidão do paulistano: sua maestria em estacionar. Como o pessoal é rápido, certeiro e invencível! Quando começo a pensar em encostar o carro em alguma vaga, o sujeito já está lá, abrindo a porta para a namorada. Nem posso reclamar. Ele foi melhor que eu, afinal. Soa bem paulistano o ditado: “Quando você vai para a roça colher café, eu já estou de volta com ele moído e torrado!”
Pois me sinto assim nos estacionamentos: sempre perdendo uma partida. Fico admirado como minha mulher – paulistana de quarta geração – consegue driblar e ultrapassar os motoristas mais espertinhos em vagas as mais minúsculas. O indivíduo vem todo feliz com o café torrado – e ela já está servindo a segunda rodada da bebida! Se houvesse um campeonato de estacionar, ela venceria.O paulistano mesmo é o virtuose dos estacionamentos: nasceu com o dom e não adianta tentar imitá-lo. Tenho de me conformar em ser um quase-paulistano, demasiado lento para conseguir uma vaga no estacionamento.
Sinto que ainda existe a distinção entre o paulistano de fato e os extracomunitários. Talvez a diferença tenha se dissipado com o tempo, até porque a partir dos anos 1920 os imigrantes tomaram a cidade e alteraram o seu DNA. Esses anos todos, peguei o sotaque e assimilei hábitos locais. Ser paulistano, enfim, é um processo. Mas sinto que existe uma fronteira que não vou poder atravessar. Faz parte dos traços da identidade do cidadão local que jamais irei incorporar totalmente.
Entre as habilidades possíveis de assimilar, posso citar umas cinco: a compulsão de formar filas instantâneas, a liberdade de encarar as pessoas na rua, a compulsão de pechinchar e fazer negócios, a capacidade de se divertir em espaços lotados ou de chegar aos lugares mais improváveis só com uma conversa no ponto de ônibus. Já consigo fazer tudo isso, não sem certa dificuldade...
Só que para mim é impossível aprender a principal aptidão do paulistano: sua maestria em estacionar. Como o pessoal é rápido, certeiro e invencível! Quando começo a pensar em encostar o carro em alguma vaga, o sujeito já está lá, abrindo a porta para a namorada. Nem posso reclamar. Ele foi melhor que eu, afinal. Soa bem paulistano o ditado: “Quando você vai para a roça colher café, eu já estou de volta com ele moído e torrado!”
Pois me sinto assim nos estacionamentos: sempre perdendo uma partida. Fico admirado como minha mulher – paulistana de quarta geração – consegue driblar e ultrapassar os motoristas mais espertinhos em vagas as mais minúsculas. O indivíduo vem todo feliz com o café torrado – e ela já está servindo a segunda rodada da bebida! Se houvesse um campeonato de estacionar, ela venceria.O paulistano mesmo é o virtuose dos estacionamentos: nasceu com o dom e não adianta tentar imitá-lo. Tenho de me conformar em ser um quase-paulistano, demasiado lento para conseguir uma vaga no estacionamento.
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